Pureza mostra que o cinema nacional segue firme na sua jornada de crescimento, apesar dos pesares. O Vivente Andante foi convidado para a Sessão de Gala no Festival do Rio pela Atômica e foi conferir esse ótimo filme brasileiro. Pureza é um longa-metragem que conta com Dira Paes vivendo a Dona Pureza, a qual saiu à procura do filho Abel, que sumiu com 19 anos, em busca de um trabalho digno, da cidade de Bacabal, a 246 quilômetros de São Luís, no Maranhão. Essa é a história real que inspira esse filme sobre uma guerreira contra o trabalho escravo.
O longa-metragem se diz “livremente inspirado em fatos reais” e começa já mostrando o trabalho árduo e mal-remunerado nos campos. Abel (Matheus Abreu, convincente) sai de casa sonhando com um trabalho melhor para fornecer uma vida mais confortável para sua mãe. Contudo, desaparece, e Pureza vai, com coragem inabalável, em uma grande aventura que toma proporções inesperadas. A nossa heroína acaba dando de cara com uma situação inescrupulosa e assustadoramente real: o trabalho escravo. No meio do caminho tem que lidar com Narciso, em atuação expressiva de Flávio Bauraqui, e outros poços de crueldade.
O diretor Renato Barbieri consegue entregar um filme extremamente emocional e forte, em uma cinematografia caprichada que conta com cenas belíssimas. Indubitavelmente, uma delas é a cena do tronco, onde a direção de arte consegue imprimir poesia em uma sequência trágica e cruel, com uma tomada final gloriosa. Palmas para o diretor de fotografia Felipe Reinheimer. Além disso, o roteiro de Marcus Ligocki Júnior não deixa furos, sendo bem amarrado.
Dira Paes e o povo pelo Festival do Rio
Antes de assistir o filme conversei com Dira Paes, simpática e imponente: “O Festival do Rio dá uma assinatura de que realmente o povo nos quer e maiores são os poderes do povo e isso é emocionante neste ano de 2019. O Pureza também ganha uma importância muito grande porque acho que poucas pessoas ouviram falar de trabalho escravo contemporâneo, é uma realidade no mundo, não é uma questão só brasileira. É uma questão do campo e uma questão da cidade, uma questão urbana. A gente sabe que isso acontece, então a escravidão não acabou. Esse filme mostra a saga de uma mãe que é a Pureza, linda e maravilhosa, que foi em busca de seu filho e sem perceber foi uma grande abolicionista. Ela consegue a libertação de muitos escravos ganha um prêmio internacional. Ou seja, uma pessoa brilhante”, falou.
Em 1997, Dona Pureza foi premiada pela mais antiga ONG internacional de combate ao trabalho escravo, a Anti-Slavery Internationational por sua luta. A película acompanha a incessante busca de Pureza com um clima de aventura, como entretenimento que emociona – bastante – abordando um assunto complicado e inaceitável. Essa mulher lutou – e ainda luta – para um Brasil melhor e mais justo, onde seja possível ter orgulho dessa nação.
Grupo Móvel de Combate ao trabalho escravo
Dona Pureza é uma cabocla do Maranhão, vivida pela Dira Paes, cabocla do Pará, que, mantém a tradição e entrega uma atuação visceral. Aproveitei a sessão de gala e conversei rapidamente com a determinação em forma de ser humano, Dona Pureza: “Me sinto feliz porque tenho meu filho do meu lado. A pedra preciosa que eu corri atrás, eu ganhei. E está em casa. Mas teve um acidente e ficou aleijado, agoniado. E agora chorou. Porque eu saí e não disse para onde. Ele pensa que os caboclos me levaram para o mato”. Espontânea e simples.
Entre 1995 e 2017, 52 mil pessoas foram libertadas graças ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), ligado à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ele é formado por auditores fiscais do trabalho, os quais coordenam as operações de campo, além de policiais federais e procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT). Na película, descobrimos a parte de Dona Pureza na criação da GEFM.
Dona Pureza tinha ao seu lado Jesus de Nazaré
Antes de iniciar a exibição, em frente aos espectadores, Dona Pureza ainda disse: “Pra mim foi uma ajuda de Deus. Tudo determinado por Deus, porque sem Deus ninguém pode fazer nada. Se eu fiz muita coisa, e estão dizendo que fiz muito, fiz porque convidei Jesus de Nazaré para estar o meu lado. Porque se Ele não estivesse eu não estava aqui. Tinha morrido”, declarou, cativando ainda mais os presentes.
Ao final do filme, muitos choraram. Inclusive, esse jornalista e crítico de cinema. Emocionei-me diversas vezes. Ao meu lado, uma mãe soltou, ao subir dos créditos: “Filmaço”. É o que é.