Vamos falar de Exu? Fui criada em um lar católico até 1987. Nesse mesmo ano, meu irmão Marco Antonio aos 10 anos faleceu, meu pai desesperado encontrou “ajuda” em uma igreja evangélica. Claro que Exu nunca foi bem-vindo em minha vida, muito pelo contrário, cresci entendendo que o nome Exu era utilizado para coisas ruins.
Cresci, fui para o mundo, e nele tive a oportunidade de aprender sobre as religiões de matrizes africanas e aprendi que nenhum orixá era tão ruim como um dia me pintaram. Descobri que são forças da natureza, e que carregam histórias incríveis, verdadeiros romances, tal como a bíblia.
Nesse avanço do conhecimento, fui atrás de mais histórias para ler, para contar e fiz uma oficina de letramento negro, o que penso ser muitíssimo importante atualmente. Com tanto racismo nos cercando, percebi que entender um pouco dessa diversidade seria muito relevante para mim.
A oficina era sobre contação de histórias lá no Sesc, uma das instituições mais importantes do Brasil. Durante alguns meses, aprendemos a contar histórias, principalmente com a temática negra. Nessa oficina tínhamos a prática da contação de história, e o livro “Exu E O Mentiroso”, foi escolhido para o meu grupo.
Na verdade, Exu uma vez tinha chamado minha atenção, quando ouvi falar sobre Jorge Amado ter posto uma estátua na porta da casa dele sem pedir permissão ao centro que frequentava…
Bem, “Exu E O Mentiroso” foi lido e relido pelas colegas, fomos divididas em grupos para as práticas. O livro tem a ilustração de Carla Zuñiga, como a história era contada na áfrica, o menino era negro, se bem que na áfrica temos brancos, os colonizadores. No entanto, a ilustradora seguiu a ideia de dar ao personagem mais realismo, pois Amosú, o protagonista, era de um reino, que fica em Ondo.
Eu não vejo Exu como protagonista, embora o livro comece contando a história do orixá. Acredito que o menino, por contar anedotas, tenha me chamado mais atenção, e talvez por ele também correr alguns riscos na história. Até mesmo o tema, fugiu a ideia de Exu está no centro das atenções, talvez por eu não ter uma religião, ser menos espiritualista e quem sabe usar a lógica para compreender e interpretar textos. A mentira também passou a estar mais evidenciada, a razão do orixá interceder e proteger.
Vale lembrar que Ondo é a maior cidade da Nigéria. Tem uma população de 275.917. A indústria local inclui o processamento de alimentos e manufatura de licor de chocolate.
A ilustradora de “Exu E O Mentiroso” trouxe um livro de cores fechadas. Nada em tom pastel. A ilustradora nasce profissionalmente na infância.
“Quando eu era pequena queria ser ilustradora dos livros que minha avó lia para mim. Aí eu fiquei grande, estudei um tanto, tirei fotografia, fiz cenografia de peça de teatro, trabalhei com moda e brinquei de fazer objetos com vários materiais diferentes. Gosto muito de criar coisas com tecidos recortados, colados, costurados, fazer e contar histórias com panos. Hoje me sinto voltando a ser criança de novo, fazendo o que eu sonhava enquanto era pequena no colo da minha avó”.
São os relatos dela.
Interessante é que a história tem todo um cuidado, uma pesquisa bem elaborada, ao procurar saber sobre Ondo, fiquei sabendo qua a cultura do inhame é muito forte. Sendo assim, o autor trouxe ao livro algumas verdades sobre a cultura do lugar.
O Inhame garante parte da história do livro. O protagonista, de tanto contar mentiras, é convidado pelo rei a plantar inhames cozidos, e caso não brotem, a vida lhe seria tirada.
E é nesse momento que Exu aparece.
Em algumas casas das religiões africanas e afro-brasileiras, Exu é o sentinela e protetor. E claro que o orixá livra o menino da morte. Como? Basta ler a história.
O livro tem muita representatividade africana, nas cores, no tema, nos desenhos, gostei da história. Somente percebi que é preciso frisar que a mentira pode levar a morte, que ela é perigosa. Não Exu, esse não faz mal a ninguém.
Sou a favor dessa literatura, principalmente por tentar sufocar a intolerância religiosa.
No último dia das crianças, essa foi uma das leituras feitas ao público mirim na Casa Rosa do Sesc Tijuca, não senti nenhum tipo de comportamento contrário ao texto, ninguém contestou, os pais que estavam presentes também estavam bem atentos.
Na língua Yorùbá Exu quer dizer “esfera”, aquilo que é infinito, que não tem começo nem fim. é filho de Iemanjá e irmão de Ogun e Oxossi. Dos três é o mais agitado, capcioso, inteligente, inventivo, preguiçoso e alegre. É aquele que inventa historias. Amosú era um dos habitantes do reino de Ondo e mentia muito. Mentia tanto que sua aldeia ficou conhecida como o lugar da mentira. O rei Abati-Alapá, que já o havia advertido muitas vezes sobre seu comportamento, resolve punir Amosú de forma exemplar. Antes de cumprir sua pena Amosú encontra Exu disfarçado de homem comum e relata o castigo que sofrerá por ser tão mentiroso durante toda a vida.
Penalizado com a situação, Exu resolve então ajudá-lo desde que Amosú faça tudo o que ele disser. Rogério Athayde escreveu essa fábula sobre um das mais populares e controvertidas figuras da religiosidade africana. Em Exu e o mentiroso ele nos fala de um orixá que está sempre perto dos homens e pronto a ajudá-lo em suas dificuldades. Mesmo que seja preciso parar o tempo. Com belas ilustrações de Clara Zúñiga, Exu e o mentiroso é uma bela carta de apresentação para quem quiser conhecer de verdade a história dos orixás e um pouco da cultura afro-brasileira.
Rogério Athayde é escritor, professor de história e palestrante de temas referentes à África, religião afro-descendente, preconceito racial e intolerância religiosa. Seus mais de 20 anos de carreira e suas vivências na cultura e religião yorubá contribuem para que ele discorra sobre esses assuntos com propriedade e fluência.
Athayde é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional, mestre em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e graduado em História, todos pela UFRJ.
Autor do livro infanto-juvenil ‘Exu e o Mentiroso’, tem também diversos textos publicados em revistas especializadas, entre eles, ‘A vida em branco e preto’, ‘Água da palavra’, ‘A felicidade como busca, a religião como meio’ e ‘Porque escrevemos livros’, além de livros em fase de editoração. É professor de temas sobre mito, mitologia e ética dos Orixás. Ministrou aulas em cursos de pós-graduação e atualmente é professor convidado pelo núcleo Encontro de Saberes, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Rogério Athayde apresenta sensibilidade e talento natos na transmissão de conhecimento e é um excelente orador – atributos imprescindíveis para um educador e palestrante.
É idealizador e apresentador do programa Ibaxé, um canal no YouTube sobre África, literatura africana, religiosidade e arte. Em seu site www.rogerioathayde.com.br podem ser encontradas crônicas sobre assuntos do cotidiano, releituras de provérbios yorubás, indicação de livros sobre temática africana, entre outros tantos conteúdos do Universo África-Brasil.
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