Perotá Chingó, banda argentina, fez um show no Circo Voador no dia 22. Antes, havia tocado já em São Paulo e Porto Alegre. Hoje vou sair um pouco do registro “jornalista” e fazer um relato bem pessoal sobre esse show.
Fui graças à assessoria do Circo Voador (agradeço muito, aliás). Porém, eu não conhecia nada da banda. Pra não dizer que não conhecia nada, uma de minhas primas já havia me mostrado umas músicas (duas, talvez), que eu não tinha gostado. Era um vibe meio zen, que não combina muito comigo, rockeira e popeira que sou. Mas quis ir ao show. Sou do tipo que gosta de conhecer coisas novas, de comidas a grupos musicais. E lá fui à minha casa de shows favorita do Rio de Janeiro (e nem tô puxando saco, é minha casa de shows favorita desde a adolescência) num domingo à noite.
Neste momento, dou uma pausa do relato para contar aos que não sabem (que, acredito, sejam muitas pessoas) quem são Perotá Chingó.
Breve história
Formada originalmente pelo duo Dolores Aguirre e Julia Ortiz, o Perotá Chingó surgiu como uma experiência musical. Se tornou, então, um fenômeno na internet ao gravar seu primeiro vídeo e postar no YouTube. A partir de então, na década de 2010, passou a ser reconhecido na cena independente argentina, mas também em outros países da América do Sul, como Chile e Brasil.
Desde o início, a dupla se apresenta com o brasileiro Martin Costa, percussionista, e o uruguaio Diego Cotelo, guitarrista. Ao longos dos anos, se apresentaram com nomes como Chico César, Lenine, Jorge Drexler, Joss Stone, entre outros. A banda tem quatro álbuns de estúdio: Un viajecito (2012), Perotá Chingó (2013), Aguas (2017) e Muta (2019). Neles, misturam diversos ritmos da América do Sul com música folclórica.
De volta ao show
O show do Circo Voador comemorou 11 anos da banda. Contou, em seu repertório, com sucessos seus de todos os álbuns. E digo sucessos não porque conhecia, mas porque todos os presentes cantaram junto. Todas as músicas. E a casa estava lotada. Mas comecemos do começo.
Dolores e Julia entraram ao palco ao som gritos e aplausos. Muitos aplausos. E muitos berros de “lindas!” também. Eu, totalmente sem saber o que me aguardava, estava ansiosa para as reações cessarem e elas começarem a cantar. Contudo, apesar de minha expectativa ser baixa por não ter gostado das poucas músicas que conheci, me surpreendi nas primeiras notas. Começaram a cantar, somente as duas, uma música a capella. E, gente, que vozes! A harmonia de suas vozes juntas é impressionante! Suas vozes se unem de maneira perfeita. Parecem ter sido feitas para cantarem juntas. É lindo. E quem entende um pouco de técnica vocal e de musicalidade percebe quão boas elas são. Quando os músicos entraram, tudo ficou mais lindo ainda. E o público só não foi mais à loucura porque já estavam muito entusiasmados, acho que não era possível ficar mais.
Simplicidade
Vou ser bem sincera: apesar de ser completamente arrebatada pelas vozes da dupla, achei o começo do show bem morno. A meu ver, elas não tinham presença de palco. As vozes preenchiam o espaço inteiro, mas elas não. Porém, todavia, contudo, percebi que, talvez, esse fosse mesmo o intuito. Por exemplo: por ser um show tão voltado para a potência vocal de Julia e Dolores, tudo é muito simples. Os músicos (elas inclusive) só têm um figurino, do início ao fim. No palco, somente cantoras, músicos, instrumentos e um fundo preto. A única exceção são as luzes, que formam imagens ao longo de todo show. As imagens construídas, inclusive, levaram uma sensação de etéreo, algo muito presente nas músicas. O iluminador, com certeza, apesar de não estar no palco, foi mais um personagem muito presente do show. E está de parabéns.
O show todo é muito sensorial. Com uma mistura muito grande de gêneros musicais e instrumentos diversos, as músicas transportam o público para outro lugar. E, mais uma vez adiciono, a iluminação tem uma parcela imensa nesse fator. Observando as pessoas presentes era possível ver como elas estavam fazendo parte de uma grande experiência. E como cada canção as transportava para uma época em suas vidas, as fazia pensar em algum momento, já que muitas choravam, sorriam, se abraçavam, se beijavam, claramente envoltos em uma atmosfera única e muito pessoal. Mesmo eu, que estava conhecendo as músicas naquele momento, tive vontade de chorar com algumas músicas. E eu estava 100% sóbria! As músicas falam muito sobre sentimentos e sensações. E, também, a como fazer desse um mundo melhor. Acredito que esse seja o motivo de deixar todos com a energia pra cima.
Entrega
Voltando ao que eu disse de não sentir Dolores e Julia como pessoas com presença, essa percepção minha modificou com o passar do show. Talvez por sentirem o público cada vez mais entregue, as duas também se entregaram. Começaram a conversar mais, a movimentarem-se mais, a preencher mais o palco. O público também começou a preencher cada vez mais o espaço a que lhes cabia, criando danças e fazendo até mesmo uma roda na música “Meia vuelta”. Foi bem bonito de assistir. Também foi bonita o cover que fizeram de “Velha infância”, dos Tribalistas. Com participação de Bela Ciavatta, que abriu o show para a banda, a versão que entregaram foi emocionante, com a voz de Bela se integrando às da dupla de forma encantadora. Julia, inclusive, disse que essa canção fez muito sucesso na Argentina, por isso foi a música brasileira escolhida para cantar.
Único ponto negativo do show, a meu ver, foi a homogeneidade do público. As pessoas eram majoritariamente brancas. E, também, de uma classe financeira mais alta. Talvez por cantarem músicas mais utópicas e que não são a realidade da maioria dos brasileiros, o Perotá Chingó atinja uma classe social que não precisa enfrentar tantos problemas e ainda tenham mais esperança em um mundo justo e feliz. Não sei, é uma suposição. Mas me incomodou não ter visto uma plateia mais diversa.
Contudo, foi um show muito gostoso de se assistir. E as vozes de Dolores e Julia me impressionaram demais. Acredito que, a partir de agora, eu vou buscar mais músicas da banda. E ver se elas me ajudam a ter esperança de um dia esse mundo seja de fato justo para todos.
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