Acaba de estrear nos cinemas, “A flor do Buriti”, dos cineastas Renée Nader Messora e João Salaviza. O filme, que retrata a história de resistência dos Krahôs, chega às telas brasileiras após ter recebido alguns prêmios importantes no exterior, como no Festival de Cannes e de Munique.
A história mostra como os povos Krahôs foram ao longo de muitas décadas vêm sendo perseguidos e tendo suas terras invadidas de forma sistemática pelo homem branco. Sob a ótica dos próprios povos, o filme parte de um massacre ocorrido contra eles em 1940, passando por diferentes momentos temporais até os dias de hoje.
Vivências e culturas
O filme vai acompanhando diferentes gerações dos Krahôs por meio de seus costumes, seus cânticos e ritos culturais. Como espectadores nos sentimos imersos em suas vivências. Uma existência que habita um ambiente de forma totalmente harmoniosa com a natureza. Equilíbrio, esse, que é ameaçado por sentimentos de perturbação em seu entorno.
Essa ameaça é resultado de uma busca gananciosa por parte dos não-indígenas. O branco, ou “cupê” segundo o idioma dos Krahôs. Seguindo uma lógica de exploração da terra como se não houvesse o amanhã, eles se deparam com a preocupação que os povos originários tem com esta terra. Inclusive, o filme é em sua maior parte falado no idioma Krahô, o que enfatiza a importância da afirmação da presença deles no filme e no território.
Estética e narrativa
A narrativa dá vários saltos temporais por meio de sonhos que por meio de um ritmo mais cadenciado e aborto. Afinal, se para os Krahôs, a relação com o tempo é da perpetuação através das gerações, o filme busca recriar de modo sincero essa dinâmica da contemplação. Um aceno inclusive para que o espectador experimente a importância da meditação sobre as imagens audiovisuais. Ou seja, algo relevante, em meio a tantos filmes de ação frenética.
Os cenários naturais dão o toque complementar da impressão visual. Filmado em 4 aldeias em Itacajá no Tocantins, com uma fotografia deslumbrante em 16 mm, “A flor do buriti” é repleto de imagens poéticas e visualmente estonteantes, sejam em tomadas noturnas ou diurnas, com uma atmosfera que vai do onírico ao sombrio, passando pelo fascinante. Sobretudo, nas cenas que exaltam a grandiosidade da natureza.
Atuações
O filme conta com um elenco que valoriza a importância da comunidade por meio da presença das sub-tramas de diversos personagens. Mas, ao mesmo tempo, o roteiro valoriza a força individual de cada um, especialmente nas crianças. A produção conta também com indígenas atuando na equipe, inclusive no roteiro. Embora a direção seja de um casal luso-brasileiro.
Com uma linguagem híbrida entre ficção e documentário etnográfico, o filme busca evitar um olhar aproveitador de enxergar o outro de forma exótica. As atuações dos atores mostram que, mais do que nunca, é extremamente importante que os indígenas sejam os reais protagonistas de suas histórias de resistência e continuidade. O buriti é o elo entre o povo e a terra. A terra onde eles vivem, morrem e resistem.
Um longo processo
O filme levou cerca de 15 meses para ser filmado, mas os diretores já possuíam uma relação de mais de uma década de proximidade com Krahôs, tendo já realizado um curta-metragem anteriormente: “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, de 2018. Com um longo processo, o filme mostra a longa continuidade dos constantes ataques à integridade e soberania desse povo.
Por meio de muitos enquadramentos contra-plongée que conciliam os personagens indígenas aos fundos da natureza, como céu e estrelas, percebemos que essa luta é muito mais antiga do que muitos supõem. Dessa forma, percebe-se o quanto o marco temporal é uma decisão absurda de imposição e de mais uma das muitas agressões que se impõe aos povos originários. Apenas mais um de muitos episódios sombrios da história brasileira que são pouco ou quase nunca falados ou divulgados.
Onde assistir
O filme “A flor do buriti” é uma ótima oportunidade para conhecer mais as narrativas e a voz dos indígenas, que por muitos anos tentam calar. Mais filmes nesse sentido têm sido lançados no circuito comercial. Assim, recomendo que aproveite essa oportunidade para se aproximar mais dessas representações de cosmovisões indígenas.
Com um belo final que simboliza a perpetuação de um povo por suas gerações, o filme faz também uma ponte com o cenário atual de luta dos povos originários ao colocar a figura de Sônia Guajajara como símbolo de inspiração e estímulo para uma luta política cada vez mais visível e acessível.
A distribuição é da Desforra Apache e Embaúba Filmes. Por fim, não deixe de conferir este filme incrível! Assim, não deixe para depois. Afinal, a presença na primeira semana é importante para a continuidade do filme em cartaz. Desse modo, consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis.