Dirigido por Adriano Guimarães, Nada se apropria de um realismo fantástico para contar sobre memória, melancolia e aceitação da morte
A premissa da protagonista que deixa a cidade grande e retorna ao interior por conta da doença ou morte de um familiar é um dos arquétipos mais recorrentes do cinema. No Brasil, exemplos recentes como Continente (2024, Davi Pretto), e Pacto da Viola (2025, Guilherme Bacalhao), mostram como esse retorno às raízes pode provocar uma reavaliação da vida, da morte e das memórias entre elas. Nada, novo filme de Guimarães, parte desse mesmo ponto — mas toma um desvio narrativo e sensorial bastante singular.
Com um título que desafia a expectativa de público, e jogará contra a produção caso o espectador não tiver uma mente aberta, Nada acompanha Ana, artista plástica que volta à cidade natal para cuidar da irmã Tereza, diagnosticada com um aneurisma cerebral. A partir daí, o filme abandona a estrutura clássica e se transforma em uma experiência quase onírica, marcada por um ritmo lento, fragmentado e introspectivo. Em vez de respostas, o que se constrói é um mergulho sensorial nos temas do luto, da solidão e da memória, catalisados pela misteriosa presença de uma imensa antena que surge na paisagem sem explicação, afetando a vida de todos ao seu redor por meio de uma alteração na própria realidade.

Cena de “Nada”- Divulgação Embaúba Filmes
Inspirado por obras como Cem Anos de Solidão (1967, Gabriel Garcia Marquez), Nada adota um realismo fantástico mais sutil do que aquele presente na obra magna de Marquez: assombrações, memórias e figuras do passado aparecem não como horror ou alegoria, mas como ecos afetivos, acenos poéticos, e pensamentos melancólicos. A antena, inexplicável e imponente, torna-se símbolo silencioso dessa comunidade isolada e sem sinal de celular, onde o tempo parece dobrado sobre si mesmo.
Nada se aproxima, por vezes, da doc-ficção. A câmera capta longos planos-sequência de Ana vagando pela mata, ou registra os moradores em depoimentos frontais, como se fossem entrevistas. O enquadramento intimista reforça a conexão com esses rostos marcados pela ausência, revelando ao final da produção o motivo desse artifício.
Cada personagem responde de forma distinta às “visões” provocadas pela antena: Tereza conversa com o pai já falecido; Ana reencontra a cachorra que perdeu anos atrás; Cícero lembra de tudo, menos do cheiro; Seu Joaquim afirma que, desde a chegada da antena, ninguém mais morre na comunidade. São manifestações de saudade, consolo e perturbação que, ao invés de dramatizar, apenas se deixam existir — como ruídos de uma vida em suspensão, que não apresenta começo ou fim, somente aquele momento de melancolia e reflexão.

Cena do filme “Nada”- Divulgação Embaúba Filmes
Com Nada, Guimarães propõe um cinema de suspensão, onde a saudade e a tristeza é motor narrativo, e o fantástico, uma extensão silenciosa da realidade que inicialmente confunde o espectador, porém, permite uma compreensão muito maior no momento que entendemos os simbolismos. É um filme que exige entrega e paciência, mas oferece, em troca, um retrato lírico e desconcertante de um Brasil invisível, e profundamente sensível.
Premiado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2024, na Mostra Brasília – 26º Troféu Câmara Legislativa, com os prêmios de Melhor Direção, Edição de Som e Direção de Arte, Nada estreia nos cinemas nacionais no dia 31 de Julho, sendo distribuído pela Embaúba Filmes.
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