Dirigido por Leonardo Lacca, Seu Cavalcanti explora com zelo e carinho a vida de um homem comum, unindo ficção e documentário em um retrato sensível e curioso
Durante a faculdade, das obras documentais estudadas, uma das que mais me marcou foi Santiago (2007, João Moreira Salles). O filme, que começou como um simples retrato do mordomo da família Salles, transformou-se em um estudo de personagem e, ao mesmo tempo, em um espelho do comportamento autoritário e privilegiado do próprio diretor, que frequentemente cerceava a liberdade de seu entrevistado. Em Seu Cavalcanti, embora Leonardo Lacca revele muito mais doçura e sensibilidade que Salles, as semelhanças entre ambas as produções são evidentes.
Uma delas é o longo tempo de produção. Santiago ficou anos engavetado até que, ao ser retomado, já havia perdido o sentido inicial. Em Seu Cavalcanti, as imagens registradas entre 2002 e 2016 atravessam diferentes momentos do país, como a eleição de Dilma Rousseff, e vão muito além de um simples registro, compondo uma bela homenagem ao personagem que marcou a vida do diretor. Uma homenagem tão afetuosa que, em certos momentos, até soa ficcional. Ao longo da narrativa, conhecemos características marcantes de Seu Cavalcanti: sua admiração por mulheres, ressaltado pelo personagem que sempre com respeito, o humor irônico, o amor pelo seu carro, e a naturalidade diante da câmera.

Cena de Seu Cavalcanti- Copyright Trincheira Filmes
Em menos de dez minutos de presença em tela, o protagonista conquista a plateia com amor e riso, trazendo leveza ao filme. No entanto, em diversos momentos essa força é interrompida pela constante voz em off de Lacca. Apesar de seus comentários serem muitas vezes sagazes, a tentativa de explicar em excesso o amor pelo avô e suas próprias inquietações torna-se cansativa, quando seria mais interessante permitir um cinema direto, deixando Cavalcanti brilhar sem a mediação do cineasta, cuja interferência em certos trechos, funciona quase como uma “chapa branca” ao seu entrevistado.
Assim como Eduardo Coutinho em Jogo de Cena (2007), Lacca também unifica documentário e ficção. Nesse caso, a presença de Maeve Jinkings, grande atriz do cinema contemporâneo brasileiro, interpretando a namorada de Cavalcanti, reforça de maneira didática o “don juanismo” do protagonista, algo que já estava claro pelas histórias narradas e servindo novamente como mais uma homenagem ao seu entrevistado.

Cena de Seu Cavalcanti- Copyright Trincheira Filmes
A narrativa assume tons experimentais, com certas brincadeiras estilísticas e abstratas em certos momentos, de forma a retratar a mente de Cavalcanti que estava aos poucos perdendo a força. Sem uma linha temporal definida, a produção funciona como uma coletânea de momentos significativos de Cavalcanti, atuando como um ode final, que cresce mesmo em pequenos acidentes de percurso, como na cena do aniversário, até chegar ao clímax, aonde surge uma nova personagem, interpretada por Tânia Maria, que amplia nossa visão do protagonista e revela suas camadas além do homem alegre apresentado no início.
Assim como Salles, Leonardo Lacca constrói um documentário que é também um autorretrato: uma homenagem afetuosa a alguém próximo, mas que levanta questões sobre o quanto de fato se fala do homenageado e o quanto se fala do olhar do cineasta sobre ele. É, sem dúvida, uma linda despedida, que certamente deixaria Cavalcanti orgulhoso, brindando com seu whisky em algum lugar do céu. Ainda assim, permanece a pergunta: até que ponto este filme é sobre ele, e até que ponto é sobre quem o filma?
A première nacional de Seu Cavalcanti aconteceu na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais, na mostra competitiva Olhos Livres. O filme chega agora aos cinemas no dia 11 de setembro, com distribuição da Trincheira Filmes.
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