Dirigido por Ian SBF, A Própria Carne parte da estrutura clássica do horror de casa mal-assombrada para construir uma tensão, que não se converte em medo genuíno.
Nos últimos anos, o gênero de horror tem ganhado novo fôlego no Brasil. Durante o 27º Festival do Rio, por exemplo, estrearão produções como Love Kills (2025, Luiza Shelling Tubaldini), centrado em vampiros, e Virtuosas (2025, Cíntia Domit Bittar), sobre uma misteriosa seita, enquanto A Própria Carne se destaca por ambientar sua história em um período pouco explorado pelo cinema nacional: a Guerra do Paraguai.
O enredo acompanha três soldados que, após desertarem do conflito, encontram refúgio em uma casa isolada habitada apenas por um pai e sua filha. Aos poucos, o aparente abrigo se revela um lugar repleto de segredos e horrores, fazendo os desertores questionarem se a guerra não seria um lugar mais seguro.

Jade Mascarenhas, Luiz Carlos Persy e Pierre Baitelli em cena de “A Própria Carne”- Divulgação Festival do Rio
Em A Própria Carne, Ian SBF opta por um tom sombrio e constante, talvez sendo sua maior virtude e também sua principal limitação. A tensão é sustentada de forma contínua, mas raramente atinge o clímax emocional esperado, resultando em um suspense mais desconfortável do que aterrorizante, pontuado por cenas fortes, como a cena de tortura de José Guerreiro, um dos momentos mais impactantes da produção. Ainda assim, a narrativa logo retorna a um estado de quietude, como se o medo fosse sempre prometido, mas nunca entregue por completo.
O elenco ajuda a manter o interesse, especialmente Luiz Carlos Persy, conhecido por suas icônicas dublagens em filmes como Shrek (2001), e em A Própria Carne interpretando um velho amedrontador que guarda um segredo sombrio. Sua presença impõe respeito, inquietação e mistério levando em conta um possível ritual, porém, o roteiro não lhe oferece muito além desta faceta enigmática, algo comum a todos os personagens que carecem de maior desenvolvimento, com exceção do protagonista de Jorge Guerreiro, que apresenta destaque por conta da discussão racial, os demais personagens se misturam em informações expostas, e pouco exploradas.
A Própria Carne sugere discussões simbólicas interessantes, sobre o impacto da guerra, o peso do pecado e o ciclo de violência que aprisiona os homens, mas essas ideias permanecem herméticas. O ritual que sustenta o horror da casa é apresentado de forma enigmática, sem que o espectador consiga compreender plenamente suas implicações, sem contar as relações familiares e de amizade que são mencionadas, mas nunca aprofundadas, reforçando o fato de que a obra prioriza a atmosfera e o desconforto em detrimento de uma construção narrativa mais sólida.

Jade Mascarenhas em cena de “A Própria Carne”- Divulgação Festival do Rio
Esteticamente, A Própria Carne é eficiente. A fotografia aposta na luz natural de velas e na escuridão densa para criar um clima de terror intimista, optando excessivamente pelo breu em certos momentos, dificultando a compreensão visual das cenas. O ritmo, por sua vez, é deliberadamente lento, aproximando-se de filmes como Os Oito Odiados (2015, Quentin Tarantino), mas sem alcançar o mesmo equilíbrio entre diálogo, tensão e revelação, resultando em um filme que provoca desconforto e curiosidade, mas também cansa pelo excesso de contenção.
Como estreia cinematográfica do Jovem Nerd, A Própria Carne representa um passo importante para o amadurecimento do gênero de horror no Brasil, demonstrando cuidado estético e uma ambição temática que deve ser reconhecida, porém, a obra peca por conta da falta de equilíbrio entre simbolismo e narrativa, entre sugestão e entrega, se mostrando promissor em conceito, mas ainda preso entre o medo que deseja provocar e o silêncio que insiste em manter.
A Própria Carne foi assistido no 27º Festival do Rio, e estreia nas redes Cinemark no dia 30 de Outubro.
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