Já faz 10 anos. Sempre que começa o período de chuvas no Rio de Janeiro, esse dia é lembrado através do vídeo de um motorista revoltado expurgando toda sua indignação para a câmera. Na época, documentávamos intervenções urbanas utilizando esportes, circo, etc. Nesse dia decidimos sair por aí de bote e documentar uma enchente, que acabou sendo uma das maiores que a cidade já viveu.
Um vídeo que vem sendo compartilhado e recompartilhado todos os anos, só confirma, mais uma vez, a complexidade de se viver em um sistema falido. Um discurso revoltado anti status quo que, ao mesmo tempo, demonstra nossos preconceitos estruturados e o sufocamento de um cidadão quase, literalmente, afogado pelo sistema. Resolvi, então, repostar o relato que fizemos na época, segue abaixo.
Era madrugada do dia 06 de abril de 2010.
A princípio, foi uma das situações mais impressionantes que já passamos. Nada tão radical, tão estranho e chocante. Tínhamos a ideia de navegar com nosso bote pela cidade, no meio da enchente, para saber na realidade como era estar em primeira pessoa numa situação dessas. Mas o que era para ser uma mera intervenção, se transformou num caos.
Descobrimos que, por flutuarmos com um bote, estávamos em terra de cegos. Logo, muita revolta e aplausos soaram quando estávamos filmando. A população quis se manifestar e recolhemos os depoimentos mais intensos possíveis. Tudo corria num ritmo estranho até chegarmos à Praça da Bandeira (meca do alagamento). Logo de cara sofremos censura de um policial militar que nos chamou de “palhaços”. Não que não sejamos, mas ele quis, aos berros, nos fazer parar de filmar. Conseguiu nos assustar por pouco tempo.
Mais alguns metros à frente encontramos mais de sete pessoas em situações críticas, destaque para dois idosos em estado lamentável. Foi assim que largamos a câmera, o show, a intervenção, o idealismo, para começar a resgatar essas pessoas. Tem horas que você faz coisas por reflexo e não porque se acha capaz.
Limite emocional
Desde já queremos dizer que nem tudo que as pessoas dizem aqui reflete o pensamento do Rizoma, e talvez nem o pensamento de quem falou. Porque a questão aqui não é refletir pensamentos e sim emoções, de quem estava no meio de uma situação extrema e fatal, para muitos. Vocês vão ver muitos palavrões e ofensas, mas certamente isso não é nada perto de mais de cem pessoas mortas, se isso representa um manifesto humano. Primeiramente íamos colocar a famosa censura ao palavreado chulo, mas seria hipócrita em uma situação como essa, todo mundo sabe o que se diz, mas quer esconder e esse “documentarismo-radical”; não vem para esconder e sim para revelar. Tragédia, emoção e limite emocional. Tínhamos entusiasmo, um bote e uma corda.
Por fim, veja o documentário completo:
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