É preciso avisar, de início, que tanto esta crítica quanto o filme A metade de nós podem ser fontes de gatilhos. Isso porque o tema do nova longa de Flávio Botelho é bastante sensível e delicado: o suicídio. Contudo, o diretor, que também é um dos roteiristas, ao lado de Bruno H. Castro e Daniela Capelato, aborda o assunto de forma muito sensível e cuidadosa. Além de ter muito respeito pelas pessoas que já perderam um ente querido dessa forma. Talvez por ele mesmo ter passado pela situação em 2007, quando sua irmã faleceu.
“A minha irmã se suicidou em 2007 e quis falar sobre isso, sobre como lidei com essa perda e sobre quão doloroso foi esse processo“, confessa o diretor.
O foco do longa, todavia, são Francisca e Carlos, um casal na faixa dos 60 anos que perde o único filho, Felipe. Durante a obra, acompanhamos todo o processo do casal após a morte de Felipe. Só para exemplificar, fique com o trailer:
Processos diferentes
A metade de nós mostra como o processo de luto pode ser diferente para cada um. E deixa claro que não existe maneira correta de se lidar com a situação. Enquanto Francisca tenta entender o motivo de seu filho ter feito o que fez e tem a necessidade de encontrar culpados, Carlos quer compreender quem era seu filho, pois percebe que, talvez não o conhecia realmente. Se muda para o apartamento onde Felipe morava e se permite novas experiências para entender o passado. Francisca, todavia, se mantém presa na imagem que tinha do filho.
É interessante como o filme brinca como estereótipos de gênero, não se atendo ao lugar comum. Tal fato demonstra um roteiro muito bem trabalhado e pensado. Além disso, cada experiência de cada um dos personagens tem motivação sincera e lógica. O espectador consegue perceber seus motivos e não se questiona em relação a eles. Ou seja, personagens bem construídos. Quando falamos de roteiro bem escrito, é disso que estamos falando.
Facilidade de expressão
É incrível perceber como os atores principais não têm dificuldade em expressar os sentimentos dos personagens. É aí que percebemos como a experiência é positiva para o trabalho de ator. Denise Weinberg e Cacá Amaral são dois atores que dominam com facilidade seu ofício e conseguem demonstrar as dores de seus personagens, mesmo quando os diálogos são poucos ou inexistentes.
Contudo, Kelner Macêdo, que dá vida a um personagem muito importante para a trama, também consegue se expressar com pouco. É bonito assistir à troca que ele tem com Cacá Amaral e o quanto cada um dá espaço para o outro ser o seu melhor. As cenas dos dois juntos são impactantes e emocionantes.

Assunto delicado, porém primordial
Por fim, sabemos que, infelizmente, a saúde mental ainda é um assunto que pode ser um tabu em diversos espaços. Portanto, um filme como esse, que discute o tema sem ser sensacionalista e do ponto de vista de quem fica é imprescindível. O longa entra em cartaz nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 30 de maio.
Importante frisar que a própria produção do longa disponibilizou um material de leitura sobre saúde mental para aprofundar ainda mais o debate do assunto, algo crucial para a sociedade. São os livros “Como Falar de Forma Segura Sobre o Suicídio” e “Como Falar de Forma Segura Sobre Saúde Mental”, ambos da autoria de Karen Scavacini. Vale lembrar também que caso vcê ou alguém que você conheça esteja passando por alguma situação de estresse emocional ou psicológico, você não está sozinho. Procure ajuda profissional. Há vários psicólogos que atendem por valores módicos. Além disso, você pode ligar para o CVV, Centro de Valorização da Vida, pelo telefone 188. A ligação é anônima. Não deixe de buscar ajuda.
Ficha Técnica
A METADE DE NÓS
Brasil | 2023 | 89 min. | Drama
Direção: Flavio Botelho
Roteiro: Bruno H. Castro, Daniela Capelato, Flavio Botelho
Produção: Caio Gullane, Claudia Büschel, Fabiano Gullane, Flavio Botelho
Elenco: Denise Weinberg, Cacá Amaral, Kelner Macêdo, Clarice Niskier, Henrique Schafer, Justine Otondo.
Distribuição: Pandora Filmes.
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