Ângela estreou no dia 07 de setembro sem muito buzz ou divulgação. Inclusive corre uma campanha no X (antigo Twitter), encabeçada por mulheres, para uma divulgação boca a boca, devido à importância do tema do filme. É um pouco estranho esse silêncio sobre um longa baseado em um assassinato real tão comentado na época em que aconteceu. Principalmente por se tratar de um crime que foi tema de podcast (Praia dos Ossos, produzido pela Rádio Novelo) que foi uma febre em 2020. O podcast pode, talvez, ter sido um dos motivos pelo qual Ângela foi pouco comentado: exauriu o assunto. Porém, pode ser também exatamente pelo assunto: um feminicídio é sempre algo polêmico, até hoje. E não como deveria ser, de causar repúdio na população. Mas por se tratar de algo visto como tabu. Até hoje.
Pra quem não ouviu Praia dos Ossos
Ângela é sobre o assassinato de Ângela Diniz, em 1976. A socialite mineira foi morta a tiros por seu namorado, Doca Street. Apesar de ser réu confesso, Doca acabou se tornando a vítima. Isso porque Ângela não seguia os padrões que a sociedade da época esperava de uma mulher. Por isso, os brasileiros desculparam Doca pelo crime cometido e concordaram com sua sentença: apenas dois anos de prisão porque a Justiça entendeu o crime como legítima defensa da honra de Doca.
O longa, que tem roteiro de Duda de Almeida, não mostra a sentença de Doca. Começa quando Ângela conhece o assassino e termina com o crime. E deixa claro que, apesar de hoje já haver muitos avanços quanto à condenação de homens que matam mulheres, os crimes continuam acontecendo e as mulheres continuam sendo muito mais julgadas do que os homens mesmo quando são mortas. Para se ter ideia, somente em 2023, o ano em que estamos, a tese da legítima defesa da honra, em que um homem pode, em caso de adultério, matar a esposa ou a namorada, não é mais aceita nos tribunais. Por isso é um filme tão importante de ser assistido e por isso tantas mulheres estão se juntando para divulga-lo.
Por enquanto, fique com o trailer do filme:
Atuações primorosas
Quem está acostumado a acompanhar Isis Valverde em novelas, talvez se impressione com a atriz. Além de semelhanças com Ângela Diniz, mais possível de se reparar em fotografias, a atuação da mineira está impecável. Ela retrata muito bem a força da socialite, que tinha um comportamento muito avançado para seu tempo. E também mostra muito bem o sofrimento da mulher, tanto nas horas de saudade dos filhos quanto nos momentos em que se pergunta por que ainda está com aquele homem que a maltrata. Sua dor se torna palpável para o público e não há como não se colocar em seu lugar e não sentir junto. Além do talento inegável da atriz, também é um ponto positivo para o diretor, Hugo Prata, que soube muito bem conduzi-la – e a todos os outros atores também.
Outra atriz que se destaca é Alice Carvalho. Conhecida pelo público jovem e que costuma assistir webseries por Septo, ela também está no elenco de Segunda chamada, da Globoplay, e da nova série da Amazon Prime Video, Cangaço novo. Em Ângela, Alice interpreta Lili, que trabalha na casa de praia de Ângela e Doca. Tão “desbocada”, como diz Ângela, quanto a patroa, Lili tem papel fundamental na trama. E Alice consegue demonstrar todas as sutilezas da personagem. É uma atriz para ficar de olho. Ainda jovem (tem 27 anos), com certeza vai brilhar muito ainda.
Direção e roteiro acertados
Como dito antes, o filme foca em mostrar o relacionamento de Ângela e Doca. Do início ao seu fim trágico. Há alguns toques de outros pontos da vida de Ângela, como sua batalha para poder ver os filhos. Mas somente detalhes que mostram ao espectador quem era aquela mulher. Foi uma decisão acertada porque o relacionamento dos dois pode servir como exemplo para muitas mulheres que assistem ao filme. Mostra como um relacionamento não começa abusivo ou violento. Mostra como Ângela vai definhando aos poucos naquela relação. Perdendo seu brilho. Mostra algumas características dos homens que podem levar a atitudes violentas no futuro. A perceber “armadilhas”. E fugir antes que tudo acabe mal. Como acabou para Ângela.
Pode parecer simples ou óbvio para muita gente, mas para muitos outros não é. É importante ser repetido e remostrado quantas vezes for preciso se isso for salvar futuras vítimas. E é por isso que nós, como sociedade, devemos lutar.
Ficha Técnica
ÂNGELA
Brasil | 2023 | 1h44min. | Biografia; Drama
Direção: Hugo Prata
Roteiro: Duda de Almeida
Produção: Bravura Cinematográfica
Coprodução: Star Original Productions
Distribuição: Downtown Filmes
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