O artista estadunidense Arthur Jafa está com a exposição “Uma série de prestações absolutamente improváveis, porém extraordinárias” na Fundação Serralves. Estive na inauguração, onde vi um festival de contradições. Para começar, só percebi uma negra visitando a exposição, Gláucia, uma brasileira. No subsolo, vinho era servido e havia uma festa com música eletrônica. Acima, imagens de negros enforcados, alusões a torturas da escravidão, imagens fortes e críticas sociais. A exposição conta com curadoria de Amira Gad e Hans Ulrich Obrist, reunindo uma compilação de filmes, fotografias e esculturas concebidos ao longo dos últimos 20 anos.
A mostra, inaugurada na sexta-feira, 20 de fevereiro de 2020, segue até 21 de junho, e apresenta pela primeira vez em Portugal o trabalho do cineasta, diretor de fotografia e artista plástico. Anteriormente, em 2019, Arthur esteve no Porto para participar do Fórum do Futuro. Suas falas causaram rebuliço. Agora, retorna com essa exposição forte e contundente na qual trata de racismo, escravidão e a rica cultura negra. Passando pela desumanização e materialização do ser humano. O vazio de ser negro e a força de ser negro gritam. Literacia visual denunciando o racismo histórico e social.
Pasteleira
Foi a primeira vez que estive na Fundação Serralves, uma referência como casa cultural na Europa. Saltei de ônibus em frente a uma localidade que não conhecia, um dos bairros mais pobres do Porto, a Pasteleira, onde várias pessoas consumiam drogas a céu aberto. Inclusive, um dia antes, um policial havia sido espancado por ali. Entretanto, um pouco acima, a elite da cidade se encontrava. Uma das escolas mais caras, o Lycée Français International de Porto, casas enormes e belas, carros caros, e, seguindo a subida, a Fundação Serralves, cuja entrada em dias normais custa 20 euros (aproximadamente 90 reais na cotação atual). A contradição gritava em minha mente. Nessa noite, a entrada era gratuita, algo pouco divulgado. Impossível, para mim, não sentir incômodo com a falta de visitantes negros.
Além disso, a exposição chega na semana em que o jogador nascido em Mali, Moussa Marega do clube de futebol FC Porto, deixou o campo indignado em partida contra o Vitoria Guimarães, após sofrer insultos racistas. Os time do Porto acabou sendo obrigado a fazer uma substituição.
Leão Negro de Ouro
A única pessoa negra que vi, como citado, era uma brasileira. Fui até ela, pedi licença e questionei sobre essa questão. Por que não havia negros ali? Onde estavam os representantes da população negra existente na segunda maior cidade de Portugal? Em sua maioria, nem sabiam do evento, contudo, teriam sido bem-vindos?
Ela colocou que, talvez, essa exposição, e a inauguração, traziam o questionamento se o negro serve somente então para o entretenimento dos brancos. A saber, o artista audiovisual, Arthur Jafa, nasceu no Mississipi, Estados Unidos. Possui 59 anos de idade, sendo 30 deles dedicados à cinematografia. Realizou diversos trabalhos com personalidades da cultura pop negra como Beyoncé, Solange e Jay. Além disso, colaborou com reconhecidos nomes do cinema como Stanley Kubrick e Spike Lee. Jafa foi premiado com o Leão de Ouro pelo filme “The White Album”, na Bienal de Veneza de 2019, o qual retrata racismo e violência utilizando recortes audiovisuais em uma edição esmerada.
Afinal, na mostra, nos deparamos com peças como Mix 1-4, uma grande tela constituída por quatro vídeos em posição central. Um conjunto de imagens acompanhados por uma seleção de sons e músicas, passando pelo extraordinário soul de Aretha Franklin e os riffs de guitarra inebriantes de Eddie Hazel, do P-funk. São obras que louvam a cultura negra e tantas outras que mostram a exploração e a crueldade sofrida por negros. Como uma obra em alto relevo aludindo a tortura. No geral, a exposição mistura obras que utilizam o audiovisual, artes plásticas, fotografias.
Aliás, todo primeiro domingo do mês, entre 10h e 13h, a Fundação Serralves tem entrada gratuita. Vale a visita – e a reflexão.