Coletivo MAAD. Conhece?
“Oportunidade de ver e ouvir coisas; coisas novas, coisas antigas, coisas estranhas, coisas bonitas, coisas divertidas e coisas ferozes; coisas que mobilizam, confundem e tocam; coisas que trazem conforto e coisas que inspiram” (WILSON; GROSS; BULL, 2017).
A mudança de país, a ambientação em uma nova cidade, faculdade e o confronto com realidades múltiplas trazem desconforto, que pode ser sentido, sem sentido ou ressignificado. Uma mulher brasileira carrega consigo estigmas, que de lugar para lugar (ou sítio, como dizem por aqui) se intensifica ou se banaliza. A possibilidade privilegiada de passar por todas essas mudanças munida de ajuda, amparo, um psicológico bem trabalhado e muitos propósitos em súbito relance é o que me trouxe até o momento presente. E em plena pandemia veio a oportunidade de trabalhar por meio do viés criativo um desses propósitos.
Laboratório de Cultura e Ciência
Surgiu em meio à disciplina de Laboratório de Cultura e Ciência, ministrada pelo Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, de que sou inscrita, a proposta de realização de um plano de comunicação de uma instituição cultural ou científica. Na condição de imigrante, desde que cheguei no ano de 2019, estive em contato com redes que ampliassem o sentido de uma vivência cultural no Porto, em Portugal, em que logo se nota a atuação e a incidência brasileira, de um povo inventivo por natureza. Não fica só no que é nato, a dedicação e o esforço em se manter num país progressista nas políticas sociais mas
ainda xenófobo nos costumes são notados principalmente nas rotinas de mulheres, que estudam, trabalham, sustentam o borogodó mesmo em condições adversas.
Foi numa dessas capturas que conheci o projeto do Coletivo MAAD, que surgiu na cidade do Porto, Portugal. Uma proposta que articula práticas de investigação e produção artística por meio de ações críticas-feministas coletivas. Ele foi fundado por Alícia Medeiros e Isabeli Santiago em 2016 e é formado por mulheres imigrantes, artistas, arquitetas e designers apaixonadas por cidades e suas histórias. Desde então, tem participado de diferentes manifestações culturais na cidade do Porto, de maneira autônoma ou colaborativa com artistas individuais e/ou coletivos independentes. Nos projetos próprios, como as Tours
Feministas, está em foco uma abordagem feminista interseccional, decolonial, anti-racista, anti-fascista e anti-capitalista. Ou seja, um combate às dinâmicas patriarcais de opressão e violência presentes na cultura urbana que se manifestam no espaço público.
Tour feminista
As Tours, que são carro-chefe dos projetos presenciais do Coletivo MAAD na cidade do Porto, procuram contar histórias distintas baseadas no apagamento de mulheres importantes, que muitas vezes não são homenageadas no espaço público. Ao contrário dos passeios turísticos de praxe, cujo roteiro pré-estabelecido tem como foco as questões e locais históricos coloniais, o dinamismo e as manifestações marginais e efêmeras ganham palco central.
Vida, obra e curiosidades de personalidades como Ana Plácido, Carolina Michaelis, Gisberta Salce e outras são abordadas nas Tours, em um passeio nada convencional, como diz Alícia Medeiros “não nos limitamos a falar de locais ‘históricos’, mas também visitamos locais importantes para o contexto contemporâneo da cidade, como é o caso da Livraria Feminista Confraria Vermelha”. Diante de um contexto pandêmico, em que Portugal esteve por 2 meses consecutivos a renovar os chamados Estados de Emergência, não se podia sair de casa e muitos projetos cuja motivação era estar na rua, entender e colocar em perspectiva o espaço urbano estavam perdidos.
Com as aulas online e a sugestão de um plano comunicacional que desse conta de colocar em evidência a instituição do Coletivo MAAD ao público e estimular a assimilação da pesquisa das colaboradoras pelas redes sociais, principalmente no Instagram, tornou-se evidente a finalidade de cidadania do Coletivo, que “deve ser vista como um estado de permanente envolvimento” (Vlachou, 2018). Ao mesmo tempo, foi colocado em prática o desenvolvimento de uma nova identidade visual para o Coletivo pela designer Beatriz Alcântara, que deu as bases para a execução de uma linguagem alinhada ao que se pretende fortalecer no movimento.
Maria Vlachou
O impedimento da realização dos Tours nesse período de distanciamento social colocou ainda mais em pauta no planejamento do Coletivo a questão do acesso público ao conhecimento e do direito individual ao olhar crítico sobre a questão feminina no espaço urbano. Veio então a ideia de transpor o trabalho que o MAAD já vinha executando para as plataformas digitais. Isso, a partir de um conteúdo que engaja e ao mesmo tempo desperta trocas entre público e colaboradoras. Portanto, as estratégias que pretendemos estender daqui em diante tomam forma de acordo com o que coloca Maria Vlachou (2018):
“aqui, a cultura não é vista apenas como um fim que se atinge quando a democracia é assegurada, mas como uma ferramenta contributiva que possa alimentar e apoiar a própria democracia”.
Propósitos
A expansão dos olhares para uma cultura que representa o movimento feminista e imigrante atinge não só Portugal e os grupos de interesse que reconhecemos por público-alvo, como também possibilita o conhecimento de diferentes territórios, das necessidades e anseios de épocas passadas e da atualidade. Seja por um viés presencial, seja pela via digital, seja pela
mescla desses dois ambientes, que representa a condição humana nos dias de hoje, é necessário que as instituições artísticas e que militam no espaço das contra-narrativas tenham lugar permanente no imaginário social e na vida cotidiana.
Para o não silenciamento da história e das questões inerentes ao desenvolvimento de uma sociedade justa, igualitária e democrática há de se valorizar o envolvimento coletivo e uma aprendizagem conjunta. Algumas das personalidades femininas tratadas na Tour Feminista já estão expostas para que o público possa conferir e interagir na página do Instagram do
Coletivo MAAD, além disso rodas de conversa e outros conteúdos temáticos virão para que toda a gente interessada possa se inteirar dos novos projetos que estão para surgir. Independente do contexto permanecem os propósitos e quando não se tem as condições criam-se novas.
Afinal, as referências bibliográficas:
VLACHOU, MARIA. Haverá democracia política sem democracia cultural? O lugar das periferias em Portugal. Observatório Itau Cultural Arte Cultura e Educação na América Latina, n. 24, p. 149 a 157, 2018.
WILSON, N.; GROSS, J.; BULL, A. Towards cultural democracy: promoting cultural capabilities for everyone. King’s College de Londres, Londres, 2017. Disponível em: <https://www.kcl.ac.uk/Cultural/culturalenquiries/Towards-cultural-democracy/
Towards-Cultural-Democracy-2017-KCL.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2017.
Artigo especial para o Vivente Andante Jornalismo Cultural por Carolina Tosetti
Jornalista brasileira, mestranda em Ciências da Comunicação, Cultura, Património e Ciência na Universidade do Porto.