O live-action de Branca de Neve apresenta tanta polêmica por trás que dará um ótimo documentário algum dia, muitos tinham certeza que seria um fracasso, eu mesmo apresentava ressalvas desde o lançamento de seu primeiro trailer, porém, tentarei defender ao longo desta crítica a sua força como um dos melhores live actions já produzidos pela casa Mickey Mouse.
Do mesmo modo que na animação original, o filme começa com um livro de contos de fadas sendo aberto, e esta é de longe a maior força de seu filme: todos os envolvidos, principalmente o diretor Marc Webb e a roteirista Erin Cressida Wilson, sabem que a história contada é um clássico conto de fadas, com direito à final clichê e forçado, porém extremamente eficiente dentro do contexto.
Enquanto Shrek (2001, Andre Adamson e Vicky Jenson), subverte a história dos contos de fadas, este filme o abraça com gosto em todos os aspectos, desde a construção de sua protagonista, as músicas animadas, o casal perfeito, a fantasia exagerada e o “felizes para sempre”, porém, em nenhum momento isto é ruim, afinal, é de Branca de Neve que estamos falando.
Considerada a primeira princesa Disney de todos os tempos, Branca de Neve não pode ser definida como nada mais do que uma bela protagonista passiva. Na animação original, a história não é movida por ela. A rainha que manda o caçador matá-la, os animais que a levam à casa do sete anões, os anões que a acolhem e o príncipe que a salva ao final. A produção em live-action sabiamente atualiza a personagem, dando um maior protagonismo ativo como um todo.

Rachel Zegler como Branca de Neve- Divulgação Disney
O filme se inicia com uma jovem Branca de Neve sendo ensinada por seus pais sobre o reino em que vivem, seus pais são símbolos de gentileza e pureza, e por consequência, instigam este sentimento na filha e seus longos cabelos negros, um fato importante futuramente.
Após a sua mãe falecer, Branca de Neve vira empregada de sua madrasta, a Rainha Má, e é podada em todos os sentidos para esquecer quem é, inclusive por meio de um corte do lustroso cabelo em um cabelo mais “Joãzinho”, que inicia extremamente preso e contido e vai se soltando ao avançar do filme, na medida que Branca de Neve redescobre quem é, construindo a maior jornada pessoal do filme: o despertar de uma princesa que deve se tornar uma líder.
Sabiamente, o roteiro e a direção trazem força à protagonista por meio de uma ideia de não violência, em nenhum momento ao longo do filme, Branca de Neve pega uma arma, com exceção de uma cena que não pode ser considerada, e em nenhum momento ela trata o outro com desrespeito, sempre praticando a arte da gentileza, até mesmo com a própria Rainha Má. Caso em algum momento, Branca tivesse o seu momento Mulan lutando em terreno aberto, o filme inteiro cairia por terra, e ainda bem que a produção apresentava esta consciência.
O embate entre Branca de Neve e a Rainha está presente desde o começo do filme, por meio de um dos maiores mandamentos enunciados pelos pais de Branca: o que o agricultor cultiva em sua terra, pertence ao agricultor. Dentro deste ideal, “vamos dizer comunista?”, toda a fundação do filme se constrói. A Rainha Má transforma os agricultores em soldados e aproveita a beleza de joias e ouro, enquanto seus súditos passam fome, ela desfruta desta perfeição fria de metal. Um destaque à figurinista Sandy Powell pelos lindos vestidos que Gal Gadot usa como Rainha Má, um mais belo que o outro.
A escolha de Branca de Neve como um símbolo de gentileza e não violência, em contraponto à rainha que amarra cidadãos no portão do castelo, é o motor condutor da produção. Duas líderes distintas, uma rosa e um diamante, uma amarela e uma azul (cores dicotômicas usadas em excesso ao longo da produção com o intuito de diferenciar os dois mundos do filme: o da quente natureza e o do frio reino da rainha), e com ideais diferentes de vida, um deles quente e gentil e a outra fria e distante.
O despertar de Branca de Neve, de uma empregada apagada do mundo para a princesa que realmente é, ocorre por meio de Jonathan, o nosso “príncipe dos ladrões”. Ele pode ser considerado um símbolo da realidade e despertar para uma Branca de Neve, além de ser a segunda metade de um dos casais Disney mais fortes dos tempos recentes e fortemente inspirado na personalidade de Flynn Ryder em Enrolados (2010, Nathan Greno, Bryon Howard).
Jonathan apresenta o seu próprio grupo de “Merry Men”, um grupo de ladrões que do mesmo modo que Robin Hood, lutam pelo verdadeiro e único rei, porém, eles recebem tão pouco destaque ao longo do filme que seria injusto receberem destaque nesta crítica.
Diferente de um romance forçado, desta vez acompanhamos todas as etapas de um relacionamento orgânico entre Jonathan e Branca, desde o meet cute, o reencontro, as interações cômicas, dois duetos de casal, e por fim o primeiro beijo quando ele a desperta do sono eterno, enquanto está rodeado de sete anões de CGI.

Branca de Neve e os Sete Anões- Divulgação Disney
Seria transcendental se a Disney tivesse pego sete atores com nanismo para representar os icônicos anões, porém, acredito que serei um dos poucos que defenderá a estética usada para os personagens ao longo do filme. Seu design remete à ilustrações clássicas de livros de contos de fadas, os destacando dos atores reais com maestria e trazendo um aspecto fantástico para o livro como um todo. Acredito que a ideia de Webb foi usar os anões para manter a estética de contos de fadas, que é a marca do filme: um retorno às raízes da Disney como um todo.
Se pegarmos imagens de Rien Poortuliet do livro Gnomos de Will Huygen, veremos algumas das óbvias inspirações para a versão live action de Mestre, Dunga, Zangado e todo o grupo. Eles são seres mágicos e com poderes, e são os menores problemas do filme como um todo, além disso, a cena de “Heigh-Ho”, é uma das mais belas cenas da produção.
As músicas originais de Branca de Neve, escritas por Benj Pasek e Justin Paul, vencedores do Oscar por La La Land (2016, Damien Chazelle), são sólidas, principalmente os duetos de Branca com Jonathan e o retorno glorioso da música de vilã com “All is Fair”. Uma pena, porém, que as duas únicas músicas que retornam da animação original, é uma versão ampliada de “Heigh-Ho” e “Whistle While Your Work”, enquanto “Silly Song” perde sua força e “Someday my Prince Will Come” deve ter sido a primeira música a ser cortada. Apesar de recebermos músicas alegres e catchys, e definitivamente superiores do que as músicas originais de Mufasa (2024, Barry Jenkins), elas não chegam aos pés das clássicas músicas Disney.
A comédia é eficiente, principalmente nas interações sarcásticas entre Jonathan e Branca. Os anões não são tão cômicos quanto o original, talvez por conta do impacto de Peter Dinklage na produção, assim, eles perdem grande parte de sua alma, com exceção de Dunga, que recebe um destaque inesperado e o protagonismo de uma cena que levará o público à loucura.
O momento em que Branca de Neve peca é quando ele ultrapassa a linha temporal da animação original. Após uma bela bruxa disfarçada, que deveria receber mais destaque do que obteve por conta de uma maquiagem extremamente eficiente, e o despertar de Branca de Neve pelo beijo de Jonathan, a produção parte para seu terceiro ato e a derrocada da rainha, unindo todos os personagens heróicos com este objetivo.
Apesar de os anões entrarem pelos esgotos, mostrar um membro do grupo de ladrões de Jonathan pegando uma besta, e prometer uma grande batalha, o reino é retomado por meio da gentileza e do papo de Branca de Neve, que relembra os moradores de como a vida era melhor antes da Rainha Má. O final é anti-climático e clichê demais, até mesmo para um filme da Disney e juntamente com a surpresa do que realmente tinha na caixa de coração que o caçador devolveu para a rainha após mandar Branca de Neve fugir, a morte da rainha também é bem mais fraca nesta versão do que no original.

Gal Gadot como Rainha Má- Divulgação Disney
Ao final, é interessante refletir alguns fatos, a ideologia de esquerda do filme da Branca de Neve é um deles, podendo torná-la uma camarada involuntária na luta pelos meios de produção, a força de Rachel Zegler e Gal Gadot é outra, principalmente Zegler, que canta de modo tão maravilhoso que nos leva ao êxtase.
É uma pena que Branca de Neve apresente tantas problemáticas internas, que fez o estúdio e principalmente o público perder o interesse na produção, e acreditem se quiser, apesar de falha e clichê em certos momentos, é um dos live-actions mais sólidos, superior a qualquer adaptação deste formato feita pela Disney nos últimos anos, exceto Cinderela (2015, Kenneth Branagh), mas, esta é história para outro dia.
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