Dirigido por Pedro Vasconcelos, Mauricio de Sousa: O Filme surge como um gesto delicado e onírico em direção a um dos autores mais centrais da cultura brasileira.
O gênero das cinebiografias produz produções muito mais memoráveis quando o biografado participa dentro da estruturação da narrativa. Filmes como Rocketman (2019, Dexter Fletcher) e Weird: The Al Yankovic Story (2022, Eric Appel) revelam como o envolvimento direto do retratado pode conferir uma dimensão única à obra, criando um terreno em que a vida real e a fabulação se confundem, enquanto no Brasil temos como exemplo Meu Sangue Ferve por Você (2023, Paulo Machline), que explorou a estética exagerada de Sidney Magal como espelho de sua própria imagem pública, algo que Mauricio de Sousa: O Filme também adota de forma semelhante, trazendo uma experiência única.
A participação de Mauricio na estruturação da narrativa, além do fato dele ser interpretado por seu próprio filho, permite que Mauricio de Sousa: O Filme adquira um tom íntimo e afetuoso, evitando um tom muito pesado ou denso, e mantendo uma narrativa sempre leve e com tons de humor, algo semelhante à produções anteriores do universo da Turma da Mônica.

Diego Laumar em cena de Mauricio de Sousa: O Filme- Divulgação Disney
O longa se inicia com um jovem Mauricio, vivido por Diego Laumar, cuja atuação é marcada por uma ingenuidade cativante, construindo o arquétipo daquele menino sonhador que se tornaria ícone. Ao adotar uma estética próxima da linguagem dos quadrinhos: planos estáticos que lembram vinhetas, divisões de tela que multiplicam ações simultâneas e um ritmo sempre fluido, permitiu que Pedro Vasconceulos trouxesse frescor ao filme, ao mesmo tempo que homenageia e traduz de forma inventiva o universo do autor.
Entretanto, Mauricio de Sousa: O Filme não escapa de excessos melodramáticos. Sequências como a despedida de Mauricio de sua família, antes da mudança para São Paulo, estendem-se em longos planos estáticos, iluminados por uma aura angelical, acompanhados de uma música emocional que insiste mais do que deveria. Situações semelhantes se repetem quando o quadrinista vê pela primeira vez sua revista publicada ou quando músicas como “Aquarela” retornam de forma insistente, tornando-se quase um recurso fácil para conduzir a emoção do público, fazendo perder um pouco do ritmo e da sutileza que era tão importante.
Curiosamente, a verdadeira força narrativa não está apenas em Mauricio, mas nas mulheres que o cercam. É por meio delas que o quadrinista encontra, ainda que de forma inconsciente, a inspiração para criar personagens que atravessaram gerações. O filme constrói essa presença de maneira cômica e irônica, lembrando ao espectador que, por trás de Mônica, Magali e tantas outras, havia figuras femininas concretas que o inspiraram, ainda que muitas vezes subestimadas pelo próprio Mauricio, um fato que leva a muitos momentos cômicos.
A linguagem cartunesca da obra se confirma não apenas na imagem, mas também no design de som e no uso criativo do extra campo e da profundidade de campo, além de uma narração onisciente do próprio Mauricio, que comenta acontecimentos ainda não vividos pelo protagonista, trazendo um tom de autoironia e nos levando a refletir que por meio da metalinguagem, trata-se de um filme sobre um criador de histórias em quadrinhos, feito como se ele próprio desenhasse os quadros de sua vida, tornando-o um mito cultural.

Thati Lopes e as três primeiras filhas de Mauricio: Mariângela, Mônica e Magali em cena de Mauricio de Sousa: O Filme- Divulgação Disney
Apesar de não alcançar a profundidade de uma análise psicológica ou política da figura de Mauricio de Sousa, o filme cumpre com suavidade sua proposta de homenagem. Apesar de um pouco fofo e melodramático demais, Mauricio de Sousa: O Filme encontra na leveza e na ironia, um modo eficaz de transmitir a dimensão simbólica da figura e do ícone Mauricio: mais do que um artista, ele se tornou patrimônio afetivo de gerações.
No fim, Mauricio de Sousa: O Filme é maior do que uma cinebiografia de um dos maiores nomes da cultura nacional, ele atua como uma homenagem, que prefere o sonho ao realismo, sendo inclusive a importância de sonhar uma mensagem recorrente ao longo da produção. E talvez seja justamente essa escolha, a de assumir o mito ao invés do homem, que faça da obra um retrato tão cativante.
Distribuído pela Disney, e com colaboração da MSP Estúdios, Mauricio de Sousa: O Filme terá sessões especiais na 49ª Mostra SP, onde Mauricio de Sousa receberá o prêmio Leon Cakoff, e em seguida estreará nos cinemas no dia 23 de Outubro.
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