Retratos fantasmas, o novo filme de Kleber Mendonça Filho, vai abrir portais na memória de todo mundo. Principalmente nos que viveram a “era de ouro” dos cinemas de rua. Quem é muito novinho, talvez só conheça os conglomerados de cinema, quase sempre dentro de shoppings. Mas já houve um tempo em que praticamente não existiam cinemas dentro de shopping (quase não existiam shoppings também). As salas estavam todas nas ruas. Nas praças.
Permito-me, assim, contar uma história pessoal aqui. Lembranças da infância, aliás, que acredito ser o que o filme irá suscitar na maioria dos espectadores. Passei meus primeiros anos na Tijuca, no Rio de Janeiro. Na época, lá no final dos anos 80/começo dos anos 90, o bairro era lotado de cinemas. Só na Praça Saens Peña eram quatro. Minha mãe diz que na infância dela, também passada na Tijuca, eram muito mais. E lotavam, sempre. Na minha época de infância também lotavam. Assisti ao meu primeiro filme, que não sei se foi Meu primeiro amor, Aladdin ou Branca de Neve, em um desses cinemas maravilhosos da Saens Peña. Eram salas grandiosas, imensas e com decoração rococó. Muito parecidas, portanto, com os cinemas do centro do Recife, mostradas no documentário. E onde começou, pra muita gente, o amor pelo audiovisual.
Carta de amor aos cinemas
A sinopse do filme diz: Como em tantas cidades do mundo ao longo do século XX, milhões de pessoas foram ao cinema no centro do Recife. Com a passagem do tempo, as ruínas dos grandes cinemas revelam algumas verdades sobre a vida em sociedade.
Fazendo um paralelo com a história de seu próprio apartamento, cenário de tantos filmes dirigidos por ele, Kleber Mendonça Filho mostra, de fato, como a sociedade lida com o tempo. Com as coisas antigas. Com o tempo ido. E com tudo o que já tem idade. Em uma época em que o novo é o mais valorizado, o documentário obriga o espectador a olhar para o passado. Para o velho, portanto. E a enxergar a vida naquilo. Seja aquilo o que for: um espaço, um objeto, uma pessoa. O filme mostra como, a partir de detalhes, podemos entender o geral. E a ver como mesmo o que desconsideramos, o que vemos como ultrapassado, tem valor. Porque tem história. E a história decerto nunca deve ser esquecida.
A partir desse pensamento, podemos enxergar o filme como uma grande declaração de amor às salas de cinema. Inclusive, senão primordialmente, as de antigamente. Hoje esquecidas, muitas vezes abandonadas, outras tantas transformadas em lojas comerciais (ou igrejas), Kleber faz questão de mostrar como era antes. As pessoas que faziam aquele lugar funcionar. Todos que eram atingidos positivamente com a vida das salas de cinema. Falando em vida, mostra, também, as vidas que as salas transformaram. Pois se não fosse tudo isso, não haveria o agora.
Pra emocionar
Narrado pelo próprio Kleber, que acaba virando um personagem, em uma cena bastante divertida, Retratos fantasmas é o que o diretor faz de melhor. Vimos em Som ao redor, vimos em Aquarius, só para citar dois. Ele parte do particular para o todo. Do seu particular, do pessoal, mas também do particular de cada espaço apresentado. Cada pessoa apresentada. Vai contando pequenas histórias que, juntas, mostram como a sociedade funciona. E sempre com uma carga crítica. Nos propõe a pensar se essa é a maneira que realmente queremos continuar caminhando. Assim sendo, a resposta, eu já sei. A minha, todavia. Cabe ao leitor escolher a sua.
Onde, então, assistir Retratos Fantasmas?
Depois de ter sua estreia mundial em Cannes, Retratos fantasmas abriu o Festival de Gramado no dia 12 de agosto em sessão especial. Agora o documentário faz sua estreia nos cinemas do Brasil no dia 24 de agosto. Disponível em 50 salas, o longa passará por oito das nove capitais nordestinas (Aracaju, Belém, Maceió, Recife, São Luís, Natal, João Pessoa e Teresina), assim como nas cidades de São Paulo, Campinas (SP), Ribeirão Preto (SP), Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vila Velha (ES), Vitória (ES), Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Manaus, Macapá e Palmas.
Em conclusão, fique com o trailer do filme:
FICHA TÉCNICA?
RETRATOS FANTASMAS
Brasil | 2023 | 91 min. | Documentário
Direção e roteiro: Kleber Mendonça Filho
Produção: Emilie Lesclaux para a CinemaScópio?
Coprodução e distribuição: Vitrine Filmes
Montagem: Matheus Farias
Direção de fotografia: Pedro Sotero
Fotografia adicional: Kleber Mendonça Filho, Maira Iabrudi, Marcelo Lordello
Pesquisa de imagens de arquivo: Karina Nobre, Cleodon Pedro Coelho?
Design de som: Kleber Mendonça Filho
Montagem de Som e Mixagem: Ricardo Cutz