Seco, vingativo, passivo agressivo, deprimente. Assim é Eu e o Líder da Seita, documentário do diretor japonês Atsushi Sakahara que está disponível para ser assistido durante o 26º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, no dia 09/04/2021 às 19h00. Eu e o Líder da Seita apresenta uma conversa honesta entre um sobrevivente do ataque de Sarin de Tóquio em 1995 e o atual líder da seita.
Por questões de claridade, é preciso avisar que o diretor Sakahara está fisicamente saudável apesar de algumas sequelas; Hiroshi Araki, o atual líder e porta voz da seita, Aum, não fez parte dos ataques, tanto que ele está em liberdade.
Diálogo
As conversas entre o diretor e o entrevistado parecem se passar ao longo de 2 ou 3 dias numa lenta viagem entre Tóquio e Quioto. Ambos os homens se tornam ainda mais próximos já que ambos cresceram e ainda tem família em Quioto, foram à mesma faculdade, viram as mesmas montanhas. Parece uma piada do destino que ambos tivessem que se conhecer por um motivo tão grave e não por um desencontro enquanto estudavam.
O tom do filme se fecha lentamente, se é que em algum momento foi leve e divertido. Desde o começo a audiência é apresentada a este homem franzino e estranho, o senhor Araki. Ele mostra o templo/sede da seita Aum, como a adoração é feita, onde eles dormem e como se alimentam. Todo o ambiente é espartano e organizado na medida do possível. Porém é a excruciante simplicidade do ambiente que impressiona, a falta total de personalidade e alegria é evidente.
Não apenas a sede dos Aum é desprovida de vida, como o seu atual líder também. Araki fala e gesticula com um controle deprimido normalmente associado a mestres Zen ou donos de funerária. Se em algum momento este homem teve uma chama dentro de si ela já foi apagada a muito. O motivo disso é explicado ao longo do filme, mas é curioso notar que não foi a vida monástica que fez isso com ele, seu ego já estava praticamente nulificado antes de conhecer o antigo Messias e se juntar à ordem.
O trauma e os seus reflexos
O diretor Sakahara faz mais apenas conversar com o seu interlocutor, uma verdadeira inquisição acontece entre os dois. Perguntas corriqueiras, íntimas, esotéricas e filosóficas são disparadas de Sakahara para Araki, fazendo com que o homem entre em vários momentos de silêncio meditativo onde ele provavelmente pensa em como fugir disso. A passividade com que Araki oferece as suas respostas pode indicar algum sentimento de culpa ou remorso, mas é difícil julgar a sua face plácida.
Ao contrário da calma do seu semi-algoz, Sakahara demonstra displicência, ansiedade e até raiva em alguns momentos, fazendo com que da audiência ele seja visto com uma energia análoga a negatividade, quase cruel. No começo do filme as suas emoções estão bem escondidas, mas ao longo da obra Sakahara acaba se soltando e despeja todas as suas frustrações sobre Araki. Algumas partes da conversa são surpreendentemente ríspidas, num tom acusatório, o que é muito interessante de se assistir.
A partir do contexto e do tom das conversas é difícil não ter a impressão que Eu e o Líder da Seita não é o equivalente cinematográfico de uma nota de repúdio. O diretor tenta apresentar uma conversa relativamente neutra sobre um assunto delicado, mas ao mesmo tempo não consegue controlar as suas emoções e memórias do trauma e acaba por diminuir e ridicularizar a única pessoa que ele pode tentar culpar pelo atentado, mesmo que o homem seja inocente. Esta dinâmica de humilhação e camaradagem, inquisição e compreensão beira o sado masoquismo; um homem só aceita passivamente ser maltratado enquanto o outro tem noção do que faz e parece se esforçar para não cruzar nenhuma linha tênue e invisível.
Conclusão
De longe Eu e o Líder da Seita é uma das obras mais impactantes e emocionais do festival É Tudo Verdade; com certeza absoluta deve ser assistido. O caminho que ambos os homens trilharam desde o trauma foi doloroso e complexo; ver emoções e a falta de emoções estampadas de forma tão explícita num filme é um privilégio muito grande.
Enfim, o trailer: