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Ficção Privada | Documentário argentino reflete sobre a intimidade

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Ficção PrivadaA partir da exposição da correspondência entre um casal indo-argentino, o diretor Andrés Di Tella acessa a privacidade e discute o amor e o contexto psicológico durante os anos de relacionamento. Essa invasão do espaço íntimo dos pais diretor, Kamala e Torcuato, é performada por um casal de jovens atores argentinos, que leem e interpretam várias passagens de várias cartas diferentes. A repetição e a exposição são usadas magistralmente para situar a audiência dentro desse microcosmo que foi esse casamento.

Tecnicalidades

Para começo de conversa, Ficção Privada é um filme visualmente belíssimo. As cores são vibrantes e expressivas, divididas em tons quentes e frios. Também é visto um uso incrível de contraste e sobreposição, principalmente nas cenas urbanas e internas. Cenas essas que estão sobrepostas por narrações introspectivas e impenetráveis em toda a sua argentinidade.

A montagem dos planos é feita como recortes de memórias enevoadas, fazendo uma alusão às passagens das cartas; pedaços e fragmentos indistintos e complexos, flutuando na cabeça do nosso diretor. Dolorosamente vemos Tella lutando para processar o que lhe foi deixado após a morte do pai. Seu irmão não está presente na sua vida, porém sua filha está, vemos solidão na quase total ausência da sua família. Essa jornada o leva de Buenos Aires para a Inglaterra e para a Índia, dois países onde seus pais estiveram juntos e se corresponderam. De certa forma essa peregrinação é quase mística: Tella encontra a mãe morta (um fantasma ou na carne?) em Londres, já na Índia ele visita um vidente que lhe deixa com mais questionamentos do que respostas. 

Mergulho psicológico

Creio que além de ser um filme, Ficção Privada é um exorcismo, um expurgo. Através do processo de filmar, o diretor compreende a essência dos pais, das suas mortes e finalmente, do seu relacionamento. Tella digere cada palavra de cada carta assim como os dois atores ao lê-las. Posteriormente eles conversam sobre uma carta de Kamala, comentando como a atriz passou pela mesmas emoções quanto a expor suas dores de forma escrita, ao contrário de em pessoa. Essa preferência de escrever sobre seus problemas mostra medo do confronto. Esse paralelo denota a universalidade dos problemas de comunicação nos relacionamentos humanos, bem como pontua claramente uma das dúvidas do diretor, a existência (ou não) do amor entre seus pais.

Ainda mais, podemos no aprofundar na mente do Tella, focando na sua fixação por Freud e suas teorias, especificamente sobre a deificação e subsequente derrocada da figura dos pais na mente infantil. Essa é uma questão abordada quando ele fala sobre como todos nós (e aqui ele fala de si, mas generaliza para diminuir sua vergonha, dividindo esse “pecado” conosco) num dado momento nos imaginamos como crianças adotadas. Assim, a justificativa é a perda do posto régio dos pais na imaginação infantil e a sua vontade de se afastar dessas personas agora frágeis. Tella acordou um dia e notou que seus pais eram meros mortais, e sentiu nojo.

Finalmentes

Aliás, esse nojo ou vergonha é o estopim do seu processo de amadurecimento, que o leva a se afastar dos pais, o crepúsculo da infância. Assim, ao amadurecer, ele se separa dos pais e começa a notar suas falhas, sua humanidade, eles caem do pedestal onde estiveram na véspera. Dessa forma Tella acaba por procurar uma fuga dessa banalidade, imaginando uma origem mais “digna” do que ser filho de um homem comum e uma imigrante.

Em suma, Tella escreve dois dos seus outros filmes, um sobre o pai e um sobre a mãe durante esse processo de cura. Essa busca por uma aproximação após a morte dos pais é o fio condutor de um amadurecimento que talvez ainda leve muito tempo. Nosso diretor, através das cartas, acessa um passado remoto onde ele não existia e procura ressignificar a essência dos seus genitores. Ficção Privada mostra um homem procurando redenção através da auto análise e o faz com maestria. 

Afinal, para ver o filme acesse o site do festival no dia 24/09 às 18h.

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas, com Cida Bento e Daniel Munduruku | Assista aqui

Veja o filme que aborda ações afirmativas e o racismo na ciência num diálogo contundente

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku

Na última quinta-feira (23), fomos convidados para o evento de lançamento do curta-metragem Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku. Aconteceu no Museu da República, no Rio de Janeiro.

Após a exibição um relevante debate ocorreu. Com mediação de Thales Vieira, estiveram presentes Raika Moisés, gestora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira; Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia da UERJ e Carol Canegal, coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude. Ynaê Lopes dos Santos e outros que estavam na plateia também acrescentaram reflexões sobre epistemicídio.

Futura série?

O filme é belo e necessário e mereceria virar uma série. A direção de Fábio Gregório é sensível, cria uma aura de terror, utilizando o cenário, e ao mesmo tempo de força, pelos personagens que se encontram e são iluminados como verdadeiros baluartes de um saber ancestral. Além disso, a direção de fotografia de Yago Nauan favorece a imponência daqueles sábios.

O roteiro de Aline Vieira, com argumento de Thales Vieira, é o fio condutor para os protagonistas brilharem. Cida Bento e Daniel Munduruku, uma mulher negra e um homem indígena, dialogam sobre o não-pertencimento naquele lugar, o prédio da São Francisco, Faculdade de Direito da USP. Um lugar opressor para negros, pobres e indígenas.

Jacinta

As falas de ambos são cheias de sabedoria e realidade, e é tudo verdade. Jacinta Maria de Santana, mulher negra que teve seu corpo embalsamado, exposto como curiosidade científica e usado em trotes estudantis no Largo São Francisco, é um dos exemplos citados. Obra de Amâncio de Carvalho, responsável por colocar o corpo ali e que é nome de rua e de uma sala na USP.

Aliás, esse filme vem de uma nova geração de conteúdo audiovisual voltado para um combate antirracista. É o tipo de trabalho para ser mostrado em escolas, como, por exemplo, o filme Rio, Negro.

Por fim, a parceria entre Alma Preta e o Observatório da Branquitude resultaram em uma obra pontual para o entendimento e a mudança da cultura brasileira.

Em seguida, assista Nenhum saber para trás:

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