“Kevin”, de Joana Oliveira, exibe um retrato honesto do processo de lidar com diversas perdas, além de uma belíssima amizade entre duas mulheres. Joana e Kevin, duas amigas de longa data, se reúnem em Uganda, país natal de Kevin, pelo puro prazer de se rever. Longe de ser um melodrama ou algo previsível e comercial, “Kevin” mostra uma amizade baseada em confiança mútua e respeito que exala um baita amor.
Com uma pegada forte, mas não estereotipada, Kevin, uma mãe solteira ugandense e professora de alemão, ajuda Joana a lidar com a sua dor sem ser um token da mulher-africana-guerreira. A princípio, o roteiro parece flertar com esse conceito pré formado, porém foge disso, preferindo retratar uma sensibilidade e naturalidade extremamente bem-vindas. Ambas as mulheres se abrem e deixam evidente o quão confortáveis ambas estão nas suas posições como indivíduos e amigas.
Da mesma forma, a direção não retrata Uganda (e por extensão a África) como um lugar destruído por guerra e violência. Por outro lado, nem como um país ultra feliz apesar das adversidades. Uganda é só outro país, Kampala é apenas outra cidade. As pessoas são apenas outras pessoas com vidas nem mais nem menos dramáticas que as nossas.
Uganda?
Escrever isso me faz notar o quanto eu esperava uma visão negativa do país; ao ter essa expectativa quebrada, fui agradavelmente surpreendido com um filme que respeita a inteligência e a natureza tanto da audiência quanto do local retratado. Por exemplo, a cena no engarrafamento parecia a Linha Vermelha no Rio de Janeiro e a cena no mercado poderia ser em qualquer cidade do interior brasileiro. Longe de perpetuar uma visão imperialista e racista, Oliveira mostra uma visão honesta, e nisso ela fez um serviço inestimável à sensibilidade da plateia que assiste “Kevin”.
Além de uma descrição respeitosa de país e povo, “Kevin” lida com dinâmicas raciais e de gênero que aparecem no dia a dia. A visão de privilégio branco que Joana apresenta é largamente irrelevante num país onde toda a população é negra. Ela tem uma leitura mais dicotômica das questões de raça enquanto Kevin vê em tons de cinza. Ambas a sua forma estão corretas e resta a Kevin explicar como toda a culpa não resulta em nada além da perda de um passeio nas corredeiras. A saber, este é o único momento controverso socialmente, onde a personagem negra “dá uma aula” de racismo para a personagem branca que precisa de validação.
Por fim, “Kevin” é um ótimo filme que toca em pontos sensíveis da psique humana e que apresenta visões e questões muito válidas para as discussões contemporâneas de sociedade. Uma amizade de longa data permite uma franqueza no diálogo que raramente é exposto de forma tão sincera no cinema. Que venham muitos outros filmes iguais.



