O encontro Empoderando Meninas Através da Literatura, realizado pelo projeto Mulheres de Luta, versa sobre a relação educativa e acolhedora entre a literatura e a criança, especialmente das meninas. Desse modo, a literatura exerce um papel desafiador e relevante no combate ao preconceito, ao racismo, entre outros, e torna-se um meio de debate para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Com isso, batemos um papo com Vanessa de Araújo Souza, idealizadora do Mulheres de Luta, sobre o evento e o projeto por trás dele. Vanessa atuou no Canal Curta!, dirigiu diversos documentários, dentre eles Carolina e Pessoal é Político, e gerencia a produtora carioca Lascene.
A saber, o evento ocorrerá amanhã, 13 de outubro, às 19h, e será on-line e gratuito. Acesse Mulheres de Luta e saiba mais!
Mariana dos Santos: Como surgiu o Mulheres de Luta?
Vanessa Souza: Dentro do Canal Curta eu comecei a produzir umas entrevistas com mulheres que, na época, eu chamava de Super Mulheres, que é a origem do Mulheres de Luta. E na época eu tava muito interessada na divisão sexual do trabalho e na história do feminismo. Então eu fiz algumas pautas, nessa época, e o projeto acabou crescendo. Ele trocou de nome, virou Mulheres de Luta. […]
Eu comecei mais três outros projetos. Um se chama Literatura Substantivo Feminino, que é uma série sobre literatura brasileira, onde eu convido mulheres escritoras, pensadoras, editoras, críticas literárias pra falar sobre diversos temas que se relacionem com o mundo literário, mas não necessariamente sobre … Vou explicar melhor. Qual a minha ideia: pegar um assunto e falar com mulheres que estavam ligadas ao mundo das letras sobre esse assunto. Não necessariamente elas falando sobre ser mulher ou literatura de autoria feminina, militância ou qualquer coisa do tipo. Tem dois episódios sobre isso, mas elas falam sobre tecnologia, mercado literário. O recorte é que são mulheres protagonizando aquela conversa, mas pode ser sobre qualquer assunto.
MS – Dia 13 de outubro haverá o evento on-line Empoderando Meninas Através da Literatura, focado no incentivo a uma literatura infanto-juvenil sob um viés feminista, com exibição do curta Primeiras Letras. Como será o evento e do que se trata o curta?
VS: O curta traz diversas escritoras já super consagradas como Nélida Piñon, Conceição Evaristo e Ana Maria Machado, falando sobre o encontro delas com a literatura e mulheres mais jovens também, (como a) Cristiane Sobral, […] e existe um diálogo entre elas. Mas é como a casa, a família, o espaço, esse conforto, como tá relacionado à literatura. Isso não tem a ver com classe social.
Vamos exibir esse curta que, na verdade, é o primeiro episódio do Literatura Substantivo Feminino, e depois a gente vai bater um papo com a Heloísa Pires Lima. Ela é atropóloga e uma grande estudiosa dessa temática da representatividade. Então, ela tem um livro que se chama Histórias da Preta, no qual você tem uma menina, que é a protagonista da história, e sabe essa menina “perguntadeira”? […] Ela quer entender os porquês de tudo e através disso ela vai entendendo um pouco do racismo. O que me encanta mais é a relação com a matriarca, a avó, e esses saberes da ancestralidade, que é uma coisa muito forte no movimento negro.
Na verdade, o assunto é sobre o empoderamento da criança através da literatura e como o projeto é Mulheres de Luta, a gente faz esse recorte da menina. Mas a literatura empodera o menino também. Eu considero o conhecimento, a empatia… isso tudo pra mim é o que, realmente, dá poder, no sentido de poder que eu acredito. Não aquele poder de explorar os outros, mas aquele de você poder comunicar, de poder ajudar, fazer parte de uma comunidade. Eu acho que meninos e meninas têm de ter poder nesse sentido.
MS – A Lascene produziu obras audiovisuais com temática feminista, como Pessoal é Político, Moda Sem Medidas, Literatura Substantivo Feminino e outras. Há dificuldades na produção desses conteúdos por conta do tema e quais os desafios dentro do próprio mercado audiovisual brasileiro?
VS: O maior desafio é o de financiamento porque como são temáticas que não estão no mainstream, a gente não tem… Por exemplo: fazer projeto pra TV. Eu não tenho um monte de TV onde eu possa colocar esse conteúdo. Se for projeto pra internet, como é que financia esse projeto? Então o maior desafio é o de encontrar parceiros, pessoas pra trabalhar em conjunto, pra desenvolver o conteúdo. Pessoas pra falar e com conteúdo, com pesquisas relevantes ou com vivências interessantes a gente encontra muito, é um universo muito rico. Agora, onde vai exibir esse conteúdo é um pouco mais restrito, sem dúvidas.
MS- Vocês utilizam o jornalismo e o audiovisual como ferramentas para difundir informação e causar engajamento sobre determinado assunto, especialmente no que concerne ao protagonismo feminino. De que maneira é sentido que o objetivo está sendo alcançado? Há retorno sobre esse encorajamento?
VS: O feedback é sempre muito positivo e muito agradecido. As pessoas vem com uma resposta muito de: “Putz, obrigada”. E não só as pessoas que assistem, as pessoas que falam também, de estar jogando holofote.[…] Os dois lados, o retorno é sempre muito bacana. Por isso que a gente continua. Às vezes você joga o holofote sobre algo que não tava sendo falado e aí, pensando nesses projetos mais discentes, tem momentos maravilhosos.
A Conceição Evaristo me contando que a mãe dela começou a ler e a escrever mais depois de ver os cadernos da Carolina de Jesus. […] E aí, você vê que a pessoas ficam emocionadas de contar essas histórias e o retorno de quem assiste é mais ou menos esse. O episódio Primeiras Letras tem uma relação muito forte das escritoras com suas mães e os familiares e tal. Então todo mundo que vê, mesmo que não seja do mundo da escrita, fala que fica emocionado, que relembrou alguma coisa que viveu. Em geral, tem isso.
A gente entrevistou uma quebradeira de coco babaçu do interior do Norte, que é uma mulher super interessante, que tem muito a compartilhar e com uma vivência muito diferente da minha, mas que não é uma pessoa que está sendo entrevistada todo dia. E é uma peça que gera muito engajamento por conta disso. […] É inspirador você ver essas mulheres, essa multiplicidade e como elas são, de fato, mulheres de luta. Então ali, no dia a dia, são mulheres que lutam com alegria, que inspiram, que me inspiram. O retorno geral é esse, as pessoas ficam bastante tocadas e é só retorno positivo.
MS – Quais os desafios futuros?
VS: Começar a fazer eventos, cursos, outras coisas relacionadas a esse mundo pro digital. O primeiro evento será dia 13 agora, Empoderando Meninas Através da Literatura. Um outro desafio, a gente tá fazendo um livro chamado Cinema das Mulheres, baseado no documentário. […] Foi uma pesquisa extensa, assim, uns três anos. Conversei com muita gente, vi muito filme, entrevistei muita gente. O Cinema das Mulheres é a história do cinema brasileiro com as protagonistas femininas. Então fala sobre a Carmem Santos, a Gilda de Abreu, que são lá do início do cinema até mulheres mais contemporâneas, como Carla Camurati, […] Lucy Barreto, que é a maior produtora do Brasil. É um documentário que vai estrear agora em novembro no PrimeBox Brasil.
Fiz um sobre moda pra mulheres gordas que se chama Moda Sem Medidas, que também está previsto pra estrear em novembro no Fashion TV. São três influenciadoras digitais […] que falam sobre infância, alimentação, gosto pela moda. Eu sempre tento, nas obras, trazer o caráter humano das pessoas. É sempre histórias de mulheres, entendeu?
[…] Tô finalizando um documentário chamado Casa Mãe, que é sobre… Eu comecei a fazer pensando em menores infratores, mas, na verdade, no caminho, eu percebi que as mães deles eram o que me interessava mais. Então é sobre as mães dos adolescentes em conflito com a lei. Eu conversei com várias mães. […] Elas não cometeram crime nenhum, essas mulheres. E elas ficam horas na fila pra conseguir ver seu filho, não são bem tratadas. […] Então são esses três desafios, assim.
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