O acidente, de Bruno Carboni, passou no Festival do Rio de 2022, em uma sessão com a presença do diretor. Na conversa, Carboni contou que a ideia do surgiu a partir de um vídeo que encontrou na internet. Nele, uma ciclista era carregada no capô de um carro dirigido por outra mulher. Daí surgiu a história de Joana, uma jovem introvertida que é carregada por alguns metros em cima deum capô de carro por outra mulher depois de uma breve discussão de trânsito. O filho da mulher, que estava no carro com ela, filma tudo, e o vídeo vai parar na internet.
A discussão do filme, porém, não é em torno da repercussão que um viral pode trazer para as pessoas que nele aparecem. Mas, sim, as consequências que as pressões do dia a dia podem ter nas vidas das pessoas. E como a sociedade se torna cada vez mais egoísta.
Para exemplificar, fique com o trailer:
O acidente silencioso
O acidente é o primeiro longa de Bruno Carboni. Antes, havia dirigido somente curtas, como Quarto de espera e O teto sobre nós. É possível perceber que Carboni, que também é autor do roteiro, junto com Marcela Bordin, tem facilidade para mostrar sem precisar dizer. Com poucos diálogos, o filme tem uma carga emocional muito grande. E brinca muito com a dicotomia barulho/silêncio. A protagonista trabalha com palavras, é tradutora. Porém é fácil perceber que ela não se dá bem elas, as palavras. Tanto que não conta para sua esposa sobre o acidente que sofreu.
É possível perceber um peso muito grande em cima dela, por isso, talvez, ela não consiga expressar-se em palavras. Enquanto as pessoas em volta dela parecem ter facilidade. Por isso, encontra asilo quando se depara com outro personagem tão quieto – e com sentimentos confusos e conflitantes – quanto ela. O diretor demonstra o conflito interno da personagem muito bem com a brincadeira dos sons. De quando eles aparecem e quando não aparecem. Há vários pequenos incômodos sonoros muito bem trabalhados durante o filme.
Pressões
Outro ponto importante do filme é análise sobre o que as mulheres passam. Há um homem no longa que contrapõe-se às mulheres. Não de maneira explícita. De forma sutil. É possível perceber como ser homem ou mulher faz uma pessoa agir de formas diferentes no mundo. Como ela se mostra ao mundo. A maneira que o mundo a recebe. A forma como lidam com pressões e pressões que nem existem quando se é do sexo masculino. Aí se mostra, outra vez, o jeito fino de Bruno Carboni fazer cinema. Uma pessoa desatenta pode, talvez, deixar esses detalhes passar. Porque o diretor confia no seu espectador, sabe que se ele está ali, quer entrar no filme. Então mostra essas nuances de forma muito sutil. Porém, detalhista. Para quem vive essas diferenças no dia a dia, está óbvio. E são colocadas em tela de maneira muito sensível. Bonita.
Há de se ficar de olho nos próximos longas de Bruno Carboni. E de Carol Martins, atriz que interpreta Joana. Ela consegue escalonar ou calar as emoções de maneira pungente. Consegue dar ainda mais profundida um filme já profundo. Que consegue fazer o espectador sentir exatamente o que Joana sente. E a questionar ações e situações de sua vida. Aviso: é melhor ir preparado para fazer uma análise de tudo o que já viveu até aqui.
O acidente nas salas brasileiras
O Acidente foi um dos filmes selecionados para a 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado, concorrendo na categoria de Melhor Longa Gaúcho. A produção já participou de festivais como o 26º Tallinn Black Nights Film Festival (Estônia), o 40º Festival de Torino (Itália), o 26º Amsterdam LGBTQ+ Film Festival, o 32º Cine Ceará Festival Ibero-americano de Cinema, além do 24º Festival do Rio, mencionado anteriormente. Venceu na categoria de Melhor Roteiro do 13º Festival de Cinema Internacional de Beijing (China).
Ficha técnica
O acidente Brasil | 2023 | 1h35min. | Drama
Direção: Bruno Carboni
Roteiro: Bruno Carboni e Marcela Bordin
Elenco: Carol Martins, Marcelo Crawshaw, Carina Sehn, Gabriela Grecco, Luis Felipe Xavier
Produção: Vulcana Cinema e Tokyo Filmes
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