Dirigido por Paul Schrader, Oh, Canadá é um longo filme autoral sobre as imagens que construímos em torno de nós mesmos
O narrador não confiável é considerado um eu-lírico cuja credibilidade é comprometida, seja por conta de lapsos de memória, ironias dialéticas, ou pelo personagem apresentar uma visão distorcida do próprio mundo em que está inserido, como Brás Cubas, por exemplo.
Seja na literatura, na arte, ou no cinema, o narrador não confiável sempre testa a paciência de seu público, afinal, ninguém gosta de ser levado em uma jornada, para ao final descobrir que foi enganado, como é o caso do final do livro Pobres Criaturas (1982, Alasdair Gray), que foi sabiamente ignorado na adaptação de Yorgos Lanthimos (2023, Pobres Criaturas), tornando a produção muito melhor do que o livro que a originou, que ao final somente transmite raiva e uma sensação de perda de tempo.
Oh, Canadá, conta a história de um debilitado Leonard Fife, Richard Gere e Jacob Elordi, que decide contar “a verdade” sobre sua vida, porém, já em seus momentos finais, após uma luta com câncer, sua mente está confusa. A jornada contada por Fife não é conexa e muito menos cronológica, personagens do presente se misturam com memórias de seu passado, e ao final não sabemos o que realmente aconteceu, e o que é somente fruto de lembranças de um homem doente e confuso.
Confira abaixo o trailer de Oh, Canadá e continue lendo a crítica
Oh, Canadá se inicia com uma fotografia gloriosa da época natalina, apresentando tons nostálgicos por meio da escolha da trilha sonora, e uma sensação que será um drama profundo e ao mesmo tempo satisfatório, algo semelhante com Os Rejeitados (2025, Alexander Payne).
Nossa primeira visão do protagonista é um homem doente que nem mesmo consegue caminhar, ou construir pensamentos complexos por si, pelo menos a primeira vista, porém, toda esta promessa de um filme complexo e denso, rapidamente se perde no momento que Leonard Fife abre a boca para contar a sua história, e percebemos o trabalho que devemos fazer, como espectador, para achar um senso narrativo naquilo que está sendo contado.

Richard Gere e Uma Thurman em cena de Oh, Canadá- Divulgação California Films
Por conta de seu estado mental, Leonard Fife é um narrador não confiável, assim, sua jornada deve ser enxergada sempre com um grão de sal, e se considerarmos a complexidade de sua narrativa, na medida que a produção é interrompida a todo momento para lembrar que é um retrato de um homem, que nem mesmo consegue se limpar sozinho, é extremamente brochante e sem nexo.
Schrader sempre foi autoral em suas produções, e Oh, Canadá não é diferente. Baseado no livro Esquecido de Russell Banks, a produção aborda diversos assuntos em somente curtos 90 minutos, que ao final aparentam ser mais de duas horas. Seja a jornada de Fife, uma semi biografia de Schrader dialogando sobre o seu próprio tempo que aparenta estar no fim, um estudo do cinema como mecanismo da verdade, uma reflexão sobre a imagem falsa que construimos sobre nós mesmos, as relações familiares e suas complexidades, entre outras discussões, porém, ao seu final, nenhuma delas é tratada com o devido cuidado, se tornando uma maçaroca aonde não sabemos o começo, mas, definitivamente sabemos o fim: um homem confuso.
Oh, Canadá é preguiçoso em dar respostas e satisfações ao seu público, ainda mais preguiçoso em dar payoffs de narrativa. Na medida que entrega pouco em quesito narrativo e de história, pouco é recebido em retorno, somente incomodando o público no processo. Da mesma forma que Leonard Fife está sofrendo na tela, o público sofre ao tentar acompanhá-lo em seus pensamentos, não é divertido, somente é exaustivo, falhando em deixar a sua marca e se tornando extremamente esquecível, da mesma forma que a própria memória de Fife.
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