Vamos começar dizendo para não assistirem “Tinnitus” com seus gatos por perto. Vi o filme na cabine de imprensa virtual com minha gata do lado e ela não suportou os sons dissonantes do longa (como é um filme sobre incômodos, e ela se incomodou, talvez seja algo bom rs). Mas isso não será um problema porque o novo drama de Gregorio Graziosi (de “Obra”) estreia hoje, dia 22 de junho, nos cinemas brasileiros.
A história acompanha Marina Lenk (numa clara referência à Maria Lenk, primeira nadadora brasileira a estabelecer um recorde mundial). A personagem é interpretada pela atriz luso-brasileira Joana De Verona. Uma experiente atleta de saltos ornamentais, Marina sofre uma súbita crise de tinnitus, um constante e forte zumbido no ouvido (daí os sons que incomodaram minha gata). Afastada do esporte que ama, ela troca o perigoso e desafiador esporte por uma pacata vida no aquário, onde trabalha fantasiada de sereia. Completam o elenco Indira Nascimento, Alli Willow e Antônio Pitanga.
O som no corpo
“Tinnitus” é um filme complexo, cheio de nuances. Pode-se dizer que é um filme que incomoda. Porém, incomoda de propósito. Como disse acima, há muitos sons dissonantes, personificação física da situação da protagonista Marina. Seu problema de saúde não fica somente na esfera da informação, ela é colocada em tela para afetar os sentidos do espectador. E ao longo dos 105 minutos de filme, o espectador vai sentindo um incômodo tão grande (ou quase isso) quanto o que afeta Marina. Seja pelo barulho, seja pelas imagens embaralhadas. Porque sabemos que quando se é ouvinte e a audição começa a ser afetada, ainda mais por um barulho constante, os outros sentidos são afetados também. Pelo menos até se acostumar com a situação (ou não se acostumar nunca).
Uma personagem perdida?
Além do mal-estar físico, há também o incômodo emocional. Marina se vê obrigada a se afastar de algo que ama. Ainda por cima, é culpabilizada por sua dupla nos saltos, Luíza (Indira Nascimento), pelo fracasso no esporte. Portanto há um duplo desconforto. Na tentativa de se entender como não-atleta, algo muito difícil quando se está acostumada a ser algo e só se ver assim, Marina entra fundo dentro de si para tentar se encontrar. Inclusive, o fato de ser atleta de salto pode ser uma metáfora do mergulho para dentro de si mesmas que muitas mulheres fazem durante a vida para tentar entender quem são e o que querem além do que a sociedade as obriga querer e ser.
Durante todo o filme, Marina fica em conflito com a demanda da maternidade, por exemplo. É algo muito querido por seu marido, mas não parece ser um grande desejo da personagem. O marido, aliás, é um contraponto a quase todos os seus desejos. Parece estar ali para mostrar tudo o que Marina não quer, mas que seria o certo ase fazer. Com ele, ela levaria uma vida certinha e bem-vista aos olhos dos outros. Mas será que é isso que ela quer?
Aliás, veja o trailer, e siga lendo:
Apesar de ser um filme com lindamente fotografado e com um desenho de som muito bem-feito, há alguns pontos negativos. Alguns assuntos interessantes poderiam ser mais aprofundados. Às vezes, parece que o longa quer ousar na estética e acaba deixando o roteiro, o tema, raso, faltando algo a mais. Além disso, algumas questões ficam sem resposta. Porém, nesse caso, pode ser uma escolha, porque quando mergulhamos fundo em nós, nem sempre vamos encontrar resposta para tudo, certo? Deixa que o espectador escolha no que ele quer acreditar. Se for isso, acertou em cheio. Mas, no geral, é um filme que suscita muitos questionamentos e entrega atuações incríveis. Como dito no título, é um filme sobre incômodos, mas não quer dizer que sejam negativos.
Informações oficiais
A produção conta com a direção de arte de Carol Ozzi, premiada em festivais como Cannes Lions e London, produção de Zita Carvalhosa e coprodução de Jean Thomas Bernardini. A médica Tanit Ganz Sanchez, especialista em tinnitus e fundadora do Instituto Ganz Sanchez, primeiro centro latino-americano de investigação e tratamento de zumbido no ouvido e intolerância a sons, prestou consultoria ao filme. A distribuição e coprodução é da Imovision.
“Tinnitus” fez sua estreia mundial no 56º Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, na mostra competitiva Proxima, e participou das seleções oficiais do 31º Festival de Biarritz Amérique Latine, da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e do 50º Festival de Cinema de Gramado, onde foi premiado nas categorias Melhor Fotografia, Melhor Montagem e Melhor Direção de Arte.
Ficha Técnica
Elenco: Joana De Verona, Indira Nascimento, Alli Willow e Antonio Pitanga
Direção: Gregorio Graziosi
Produção: Zita Carvalhosa
Fotografia: Rui Poças
Edição: Eduardo Serrano
Direção de arte: Carol Ozzi
Som: David Boulter
Gênero: Drama
Duração: 105 minutos