Quando Renato Russo lançou seu primeiro disco solo, “The Stonewall Celebration Concert”, em 1994, não era apenas o líder e principal compositor da Legião Urbana que estava estreando sem os companheiros Dado & Bonfá: depois de seis discos de estúdio da banda brasiliense e de um sucesso estrondoso, Renato era das principais figuras da música brasileira, e qualquer coisa que fizesse seria vista com atenção por público e crítica.
Ele foi muito além, claro: além de lembrar os 25 anos de rebelião de Stonewall, um marco na luta pelos direitos LGBTQI+, Renato, ao lado de Carlos Trilha (teclados, programações, produção), gravou 48 faixas, dentre suas favoritas da tradicional canção americana, clássicos do rock, do folk, sempre com o bom gosto, a afinação e a interpretação que anos no (sofrido) estúdio à frente da Legião tornaram perfeita.
“Stonewall” é apenas o pontapé inicial de “Obra & Arte” (Universal Music), box com cinco CDs, sendo dois álbuns da carreira solo e três discos póstumos de Manfredini Júnior (1960-1996). Além do disco de 1994, a luxuosa caixa traz o surpreendente (e estourado) “Equilíbrio Distante”, apenas de canções em italiano, e mais “O Último Solo”, “Presente” e “Duetos”. Em “Stonewall”, ele vai de Stephen Sondheim (“Send in The Clowns”, clássico do musical “A Little Night Music”) a Madonna (“Cherish”), passando por Billy Joel (“And So It Goes”) e Bob Dylan (“If You See Him, Say Hello”). Como só 21 músicas entraram nos 70 minutos do (então) CD, muitas ficaram de fora…
Quem diabos lança um disco em italiano no Brasil? Renato Russo, claro. “Equilíbrio Distante” veio em dezembro de 1995, após uma viagem do cantor à Itália, onde ele pesquisou suas raízes e se aclimatou com o idioma, que pronuncia como um nativo em canções como os sucessos “Strani Amori” e “La Solitudine”, ambos do repertório da diva Laura Pausini, que ganhou mais visibilidade no Brasil graças a Renato. Pérolas como “Lettera” e uma versão que une “Como Uma Onda”, de Lulu Santos, e “Wave”, de Tom Jobim, são outros destaques do disco, que, Renato fazia questão de dizer, não traz um panorama da música italiana.
Renato partiu em 1996, e no ano seguinte veio “O Último Solo”, com tudo o que não tinha cabido nos dois primeiros: apenas Leonard Cohen (“Hey, that’s no way to say goodbye”; o poeta deprê canadense era a cara do astro pós-punk carioca-candango), o clássico “I loves you Porgy”, da ópera “Porgy and Bess” (Ira Gershwin, George Gershwin e DuBose Heyward), além de novos petiscos em italiano.
Lançado em 2003, “Presente” é fruto de uma pesquisa com gravações “perdidas” – o baú de Renato Russo, digamos – e não faltam joias, de gravações caseiras, como “Hoje”, com Leila Pinheiro, e “Thunder Road”, de Bruce Springsteen, a versões diferentes de “Cathedral Song”, fundida com a “Catedral”, de Zélia Duncan (ambas vindas da composição de Tanita Tikaram). Erasmo Carlos, Paulo Ricardo e o superguitarrista Hélio Delmiro são outras participações em um CD que inclui entrevistas de Renato – um de seus esportes favoritos.
O quinto disco, “Duetos”, traz Renato Russo interagindo com nomes de peso da MPB e do rock, de Erasmo Carlos (“A Carta”, clássico da jovem guarda) e Caetano Veloso (mais um Irving Berlin, “Change Partners”) a Cida Moreira (outro standard, a gershwiniana “Summertime”) e Dorival Caymmi, em “Só Louco”. Em 71 faixas – além de 4 cards e 1 pôster com reproduções de desenhos originais de Renato Russo –, está um baú do tesouro com pérolas de uma das vozes mais marcantes da música brasileira.
*texto por Bernardo Araujo (Junho de 2022)
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