Devo admitir logo a princípio que geralmente não sou grande fã de musicais. Adoro peças que entrelaçam música e teatro, mas musicais não me pegam muito, apesar de estarem cada vez mais na moda. “Guasu” em sua sinopse é um musical, porém, devo dizer que esse sim me pegou, me pegou muito.
Ao chegar sentei em uma das cadeiras bem perto do palco, como sugerido na entrada, e isso auxiliou mesmo em uma das virtudes da peça que é criar uma imersão naquele contexto de guerra.
Desde o início fiquei feliz com a dinamicidade da obra como um todo. Não cansa nem dá sono em momento algum. Não senti o tempo passar. Um fato interessante é que vi a peça após uma aula de yoga. Sendo assim, saí diretamente da mais pura paz para dentro da guerra.
“Guasu” é um espetáculo cuja principal palavra que posso usar é incrível. E merece esse adjetivo por uma conjunção de fatores. Primeiramente, a base de tudo, o texto de Bruce de Araújo, o qual traz desde uma aula de história até diversas reflexões que passam por racismo, amor, escravidão, ética, humanidade, livre arbítrio. Sim, tudo isso está presente e realmente faz pensar, não é jogado. São vários assuntos que perpassam a exibição e os diálogos, mas sem virar uma bagunça, é tudo muito bem encaixado e balançeado.
Vilma Melo
Além disso, a direção de Vilma Melo não foi fácil, pois é um bom número de atores e várias personagens com muitas nuances num espaço não tão grande, o mezanino do Sesc Copacabana. Entretanto, ela consegue direcionar a todos de forma a usarem com eficiência todo o cenário (e o teatro) trazendo os espectadores sempre para dentro daquela horrível guerra. Os atores nos olham nos olhos e passam uma sensação de medo, desespero, falta de esperança.
As músicas são ótimas e de vários gêneros. Tem rap, tem em espanhol, tem mais estilo MPB, trap, samba, sertão, ladainha, funk, atabaque e violão. E, de repente, caem surpresas de onde menos esperamos. São os sustos que uma guerra proporciona. “A noite há de ser mãe” dizem em certo instante. A obra oferece um pouco do amargo sabor da guerra numa mistura equilibrada de história e contemporaneidade, a partir dessas escolhas musicais.
“Tiro, batalha e morte, se eu tô vivo é sorte”
O uso da luz, as mudanças na iluminação, por Anderson Ratto, em conjunto com a arte gráfica de Giulia Santos e o vídeo e projeção de Caco Chagas criam as atmosferas perfeitas. Um ótimo exemplo é a caminhada da tropa na chuva. Quase botei minha touca na cabeça de tão crível e lúdico ao mesmo tempo.
Inclusive, não esperava, porém me emocionei algumas vezes. A canção “Bomba”, por Matheus Dias, é interpretada com muita alma, passa verdade e uma triste beleza. E chorei quando Luísa Vianna canta em espanhol enquanto o soldado Tibério está em prantos. A cena é linda, tocante, vibrante. De cada olho meu, desceu uma lágrima, lenta e sutilmente.
“Guasu” ainda abre espaço para algumas cenas de amor bem conduzidas e românticas, como goles de esperança no meio da desolação. E, ainda por cima, quando a peça decide nos fazer rir, consegue.
Fui embora querendo uma playlist com todas as músicas no meu fone de ouvido e deveras satisfeito e impressionado com a Direção Musical de Muato e Fred Demarca . Por fim, “Guasu” é uma poética jornada de sobrevivência com um elenco excelente que entrega muito.
SINOPSE:
Guasu é um musical que conta a história de cinco soldados brasileiros, durante a Guerra do Paraguai, que depois de um ataque, se perdem da tropa e tem que, juntos, voltarem ao Brasil pela fronteira do Mato Grosso do Sul.
SERVIÇO:
Temporada: 12 de outubro a 05 de novembro de 2023
Dias da Semana: Quinta-feira a domingo
Horário: 20h30
Local: Sesc Copacabana – Mezanino
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – Rio de Janeiro
Ingresso: R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
Informações: (21) 2547-0156
Bilheteria – Horário de funcionamento:
Terça a sexta – de 9h às 20h;
Sábados, domingos e feriados – das 14h às 20h
Classificação Indicativa: 14 anos
Duração: 90 minutos
Gênero: Musical
FICHA TÉCNICA:
Elenco: Fred Demarca, Higor Campagnaro, Lucas Sampaio, Luísa Vianna, Matheus Dias, Tom Karabachian e Yumo Apurinã
Texto, Letras e Direção de Produção: Bruce de Araujo
Direção: Vilma Melo
Assistente de Direção: Fernanda Dias
Direção Musical: Muato e Fred Demarca
Preparação Vocal: Guilherme Borges
Coreografia: Rodrigo Nunes
Figurino: Fernanda Garcia e Priscila Pires
Cenário: Cachalote Mattos
Iluminação: Anderson Ratto
Arte Gráfica: Giulia Santos
Vídeo e Projeção: Caco Chagas
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação
Assistência de Produção: Pedro Barroso
Realização: HBAW; Ayráújo Produções
Supervisão de Produção: Kawaida Cultural – Aliny Ulbricht e Raíssa Imani
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