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Crítica

Alma despejada | Peça traz poesia em grande atuação de Irene Ravache

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Alma Despejada com Irene Ravache

Ao comprar seu ingresso, você recebe em sua caixa de entrada do e-mail um ingresso numerado. Pode parecer como qualquer outro ingresso para teatro online, experiência nova que fomos obrigados a passar desde março de 2020. Não é.

Ao clicar no botão de “acessar evento online”, você será transportado para dentro de um teatro. Virtual, é verdade, mas um teatro. Você abre as portas da entrada, caminha pelo saguão e chega à porta da sala. Te pedem seu ingresso, você digita o número. Assim que o ingresso for reconhecido, você tem acesso à sala, anda pelas cadeiras e pode ver o palco. Ali, no palco, está uma tela, com o vídeo da peça Alma despejada, que você está prestes a assistir.

Pode parecer besteira todo esse preâmbulo de caminhada até a sala de teatro, mas, acredite, faz toda a diferença. Esse tempinho gasto antes de apertar o play faz o espectador entrar no clima da experiência que é assistir uma peça. Você não está mais na sua casa, você está dentro de uma sala de teatro. Assim como a reação da plateia, que é possível ser escutada. O monólogo foi gravado quando a peça ainda estava em cartaz na sala física, com presença do público. As risadas e aplausos dão a sensação de que você não está sozinho assistindo aquela peça. Que Irene Ravache está mesmo ali, na sua frente. E toda essa ambientação deixa a experiência muito mais gostosa.

Começou!

A cortina abre, ou seja, você aperta o play. Então você vê Irene Ravache – ou Teresa – em um palco cheio de caixas e alguns móveis. Ela te conta que está morta e aquela era sua casa. Fique tranquilo, isso não é um spoiler, você fica sabendo disso já nos primeiros minutos. Portanto, a partir daí, você entende o título da peça: alma despejada. Porque a casa foi vendida e agora ela vai ter que sair de lá. Chega, então, o momento de ela reviver, pela última vez suas memórias. E para você quem ela conta tudo.

Não precisa de muito tempo para ela te envolver. Afinal, estamos falando de Irene Ravache. E observando-a atuar fica nítido porque é considerada uma das maiores atrizes do Brasil. Junto com a direção de Elias Andreato, fica impossível tirar os olhos do palco. Sendo assim, logo o espectador está vidrado na tela, querendo captar cada gota das palavras daquela senhora. Aliás, as palavras são muito importantes nessa peça. Teresa, a protagonista, é uma ávida amante das palavras. Desde cedo se interessa por elas. Mais do que elas querem dizer, mas o que elas fazem sentir. E é a partir delas, das palavras, que a peça é guiada. E a partir delas, elas fazem o espectador sentir cada emoção de Teresa. Que nem sempre é triste. Aliás, tem muito mais humor do que tristeza na peça, apesar de ser sobre uma idosa falecida.

Texto atual e Irene Ravache

Teresa leva o espectador por cada parte de sua vida, da infância à velhice. E ao final, à sua morte. E, apesar de já na faixa dos 70 anos, muitas dos acontecimentos que ela vivencia são passíveis de identificação. É possível também, através de sua vida, ver a história se repetindo. Algumas situações narradas aconteceram na época da Ditadura e, infelizmente, podemos ver o mesmo acontecendo agora. Apesar de o texto ser de 2015, ele está muito atual. Além disso, é muito importante que essa época seja lembrada para que não se repita eventos tão cruéis como os que aconteceram. Dessa vez não falarei quais, pois aí, sim, seria spoiler.

Porém, há também muita poesia em Alma despejada. A forma em que a narração é conduzida leva o espectador a refletir sobre inúmeras coisas. E o fato de o espectador estar assistindo de casa, com uma câmera acentuando os detalhes, permite que tudo seja assimilado com mais facilidade. E deixe tudo mais bonito.

É importante ressaltar, também, o fato de Teresa ser uma senhora. Em uma sociedade que sempre exalta a juventude, não é tão fácil encontrarmos idosos em lugar de protagonismo. E a forma com que ela conduz a peça, de um jeito natural, passa longe do estereótipo colocado em pessoas mais velhas e em como a sociedade as enxerga: como pessoas inativas. Muito pelo contrário, Teresa, apesar de morta, faz o espectador querer viver cada vez mais, não importa em que fase da vida está.

Serviço:

Alma despejada

Temporada online: 02 a 31 de julho.

Sexta e sábado, a partir das 12h – ingresso válido por 24h.

Local: Sympla / Teatro WeDo!

Ingressos: R$ 40,00.

Vendas: www.sympla.com

Classificação: 14 anos.

Duração: 80 minutos.

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Escritora, autora dos livros Queria tanto, Coisas não ditas e O semitom das coisas, amante de cinema e de gatos (cachorros também, e também ratos, e todos os animais, na verdade), viciada em café.

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Cinema

Crítica | ‘O desafio de Marguerite’ mostra a potência da mulher

Filme estreia em 07 de dezembro no Brasil.

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O desafio de Marguerite.

O desafio de Marguerite foi destaque na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Biarritz. Além disso, foi apresentado na Sessão Especial do Festival de Cannes de 2023, onde venceu o prêmio do júri técnico CST Young Film Technician Award, pela direção de arte assinada por Anne-Sophie Delseries. O longa de Anna Novion estreia no Brasil no dia 07 de dezembro, com distribuição da Synapse Distribution.

O filme conta a história de Marguerite Hoffmann, uma estudante de 25 anos que está prestes a apresentar sua tese de doutorado. Mas, quando um erro técnico acaba com sua teoria, ela decide sair da universidade e aplicar o que aprendeu na vida real. A personagem foi inspirada em uma experiência pessoal da diretora e na trajetória de Ariane Mézard, uma das grandes matemáticas francesas da atualidade. “Ela foi a primeira pessoa que conversou comigo sobre matemática de uma forma artística e imaginativa, o que me interessa muito como cineasta”, diz Anna Novion.

A diretora conta também que, quando tinha cerca de 20 anos, ficou doente e precisou se afastar do convívio social por seis meses. Ao retornar, sentiu uma lacuna entre ela e as pessoas da mesma idade, como se não pertencessem ao mesmo lugar. Essa experiência de desconexão com o mundo e com as outras pessoas, aliada aos ensinamentos de Ariane, tornaram O Desafio de Marguerite possível de acontecer.

Para exemplificar, fique com o trailer:

Originalidade

O ponto alto do filme é, sem dúvida, sua temática diferenciada. A diretora se utiliza da matemática e do fato de Marguerite não ter outra vivência senão o estudo da ciência para mostrar como as pessoas arranjam artifícios dos mais variados para esconder suas fragilidades e se esconderem do mundo. É uma forma bastante criativa de tratar do assunto, principalmente por ser uma mulher. Temos muitos filmes retratando cientistas e estudiosos de áreas das Exatas homens, porém poucos que mostram mulheres cientistas.

O motivo disso aparece em O desafio de Marguerite e está no fato de se relacionar sempre mulheres a sentimentos e associar isso a algo negativo. Como o orientador de Marguerite diz, “matemáticos não podem ter sentimentos”, e a sociedade acredita que só mulheres os têm. E , além disso, que essa característica as resume. O filme mostra que não. E que é possível utilizar esses sentimentos ditos negativos no mundo científico para benefício próprio. E, também, como a mulher é desvalorizada no mundo acadêmico, principalmente em um tão masculino como o da matemática.

O desafio de Marguerite
Imagem: Divulgação.

É muito original, também, a forma como os conflitos de Marguerite são resolvidos. Os caminhos que ela vai tomando a partir de sua saída da universidade. É um roteiro que não segue o óbvio. Ele te surpreende a cada passo tomado, e isso é muito surpreendente. Principalmente em um mundo tomado de obras audiovisuais previsíveis.

Ritmo diferente

Contudo, exatamente por não ser uma produção genérica e mais do mesmo, há um burilamento no roteiro, ele tem um ritmo diferente do que se vê por aí hoje em dia. Portanto, o espectador acostumado a um ritmo mais acelerado vai estranhar. Pode, inclusive, achar um pouco chato. É um filme cheio de silêncios, principalmente por causa da natureza contida de Marguerite. Ele te obriga a observar o tempo inteiro, assim como precisa fazer um matemático tentando provar uma hipótese. Isso não significa que é um filme chato ou lento demais. Por causa do ritmo, você entra aos poucos na vida e na cabeça de Marguerite, e esse tempo ajuda a compreender melhor a personagem.

Ella Rumpf brilha no papel de Marguerite, essa mulher que faz de tudo para se esconder do mundo e das pessoas. E que só sabe enxergar seu potencial no mundo acadêmico, mas não tem ideia de como enfrentar o mundo real. É bonito de ver como a atriz se entregou ao papel e a forma como ela retrata a personagens aos poucos se entregando e entendendo como o mundo funciona fora dos portões da universidade.

“Quando conheci Ella Rumpf, conversamos muito e eu simplesmente soube. Tive a sensação de que poderia haver uma conexão fascinante entre Ella e a personagem, e que daria à luz uma encantadora Marguerite. Ela exalava uma intensidade e um comprometimento que eu queria filmar”, disse Anna Novion.

É um filme encantador, que mostra a potência da mulher. Em qualquer área que escolha viver.

Anna Novion.
A diretora Anna Novion.

Ficha técnica

O DESAFIO DE MARGUERITE

Le Théorème de Marguerite | 2023 | França | 1h52 | Drama

Direção: Anna Novion

Roteiro: Anna Novion e Mathieu Robin

Elenco:  Ella Rumpf, Jean-Pierre Darroussin, Clotilde Courau

Produção: TS Productions

Distribuição: Synapse Distribution

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