CAM é uma peça teatral on-line do grupo Cia. Artera de Teatro que definitivamente surpreende. Por tudo aquilo que é, e também pelo o que pretende ser. Entre cores e projeções, o monólogo transmitido pelo Instagram conta a história de Brad (Davi Reis), um camboy que acredita que será sua última apresentação erótica ao vivo por passar para a última etapa de um processo seletivo para participar de um reality show de pegação. Durante o espetáculo aguardamos com ele a resposta do produtor do programa de TV enquanto sua ansiedade e expectativas explodem. Seus pequenos surtos de clareza vão sendo sufocados pelas promessas dos benefícios que a superexposição em um programa de televisão pode lhe proporcionar, como financiar um tratamento odontológico por exemplo.
O texto quase crônico de Ricardo Corrêa busca criar identificação entre os espectadores que pagam o que for para serem aceitos sexualmente em seus meios e atingir certo status social. Fala sobre problemas do cotidiano, como não ter dinheiro sobrando, sobre viver no limbo que é apenas viver sobrevivendo. Sobre como ser lgbtqia+ pode ser doloroso nos dias de hoje, ainda. Sobre ser fora dos padrões, sejam físicos, raciais ou sociais. Um personagem com uma luta verossímil. Egocentrismo e desconexão com a realidade que nos permeiam são o ponto central da personagem que eventualmente pincela sua humanidade no meio de falas esperançosas de um ser deslumbrado com o mundo que ele criou dentro de sua cabeça. Um homem gay que aos poucos se ama menos e busca o sentido da vida em se sentir desejado para ter aquilo que ele julga merecer, sem perceber que existem coisas além do lado mais primitivo do sexo. Não aceitando muito bem o fim da juventude, a chegada da velhice.
LGBTQIA+
Enquanto Brad enumera suas frustrações, vídeos são projetados no corpo do ator e na parede tendo resultados plásticos interessantes que complementam a falta de profundidade da personagem. Nestes momentos o som deixa a desejar por não ter o áudio sendo mixado direto para a transmissão, já que a captação de som é feita pelo microfone do aparelho de celular. Nestes tempos pandêmicos pode passar, mas uma atenção maior ao áudio teria sido interessante, já que cumpriria a falta de acústica das salas de teatro que ajudam na imersão e compreensão da história. A movimentação da câmera é bem explorada no espaço cênico também dá um tom cinematográfico ao teleteatro já que usa recursos como close e desfoque.
As projeções não tem só uma função na plasticidade, funcionam como flashback, localização no espaço-tempo do momento que a história acontece e também acrescentam um conteúdo que falta ao Brad, já que as falas dele exalam sedução com pitadas de vislumbres políticos. Ele se auto questiona a todo momento sobre muitas coisas, mas não levanta teses, não argumenta a si próprio sobre possíveis soluções para o problema.
Estes vislumbres são complementados com os vídeos das projeções que elevam o tom político.
Ao mesmo tempo, a edição dos vídeos que são projetados é muito boa e a escolha de imagens peculiar, passando por memes políticos, capas de filme ponográficos e informações sobre dados factuais sobre a pandemia do novo coronavírus. Uma miscelânea de assuntos que tem a ver com a neurose criada pelo sistema econômico no qual vivemos e somos regidos; sistema que nos faz questionar a nossa identidade, sexualidade e lugar no mundo perante nossa própria existência.
CAM é uma produção completamente adaptada para ser exibida como uma LIVE pelo Instagram. Consigo imaginar uma versão nos palcos de teatro tradicionais, mas a própria obra é fruto do mundo que ela denuncia. A interação ator-platéia é simulada com o chat da própria rede social usada como palco, onde Brad faz jogos sexuais e interage com o público. Muito utilizado durante a pandemia, o formato do teleteatro continuará sendo explorado neste mundo exposto por CAM onde o próprio ator emula o olhar da platéia olhando para a lente da câmera de um celular.
CAM é um grande click bait que pode atrair alguns consumidores de pornografia desavisados, mas na verdade é uma obra politizada que tenta exibir a decadência do capitalismo usando como fio condutor a exploração do corpo e do sexo como saída para sobreviver em um mundo cada vez mais tecnológico e desigual.
Reserva e Compra de Ingressos: @ciaarteradeteatro (Instagram) ou [email protected]
Temporada: 27, 28, 29 e 31 de outubro e 04, 05, 06 e 07 de novembro
Horário: 21h Duração: 45 minutos Classificação Etária: 18 anos