Protagonizado por Romain Duris e Virginie Efira, Esperando Bojangles é baseado no best-seller homônimo de Olivier Bourdeaut. O sucesso do Festival Varilux estreia nos cinemas brasileiros em 27 de outubro pela Califórnia Filmes.
“Quando a realidade for banal e tiste, invente uma bela história.”
Esperando Bojangles é um filme épico. Se me perguntassem o que seria um filme verdadeiramente francês em sua essência, eu responderia com este longa sem pensar duas vezes. É épico, trágico, sensual e emocionante.
Ele traz a ideia de viver a vida que se quer, sem amarras e sem limitações mundanas, mas não deixa de lado as consequências disso. Confesso, senti uma lufada de ar fresco ao assistí-lo. A partir dos primeiros confrontos da trama, já é possível, até certo ponto, prever o final. Porém, é impossível não sorrir diante dos devaneios e do modo de viver dos protagonistas.
Aliás, veja o trailer, se siga lendo:
O longa começa com a visão de um homem simpático e sorridente que parece extremamente solitário em meio a tanta gente em uma festa. Seu semblante muda completamente quando ganha o palco da alta sociedade para inventar diversas histórias sobre si mesmo e suas origens. Durante a festa, avista uma mulher tão louca quanto ele, que também não se satisfaz sendo uma pessoa só. Dançando, eles se envolvem e, poucas sequências depois, se casam, marcando, desde o começo, sua impulsividade.
Georges (interpretado por Romain Duris), em uma conversa com seu amigo e parceiro para toda hora, ‘Lixo’, demonstra ter noção de que pode casar com alguém normal, ter filhos, dormir cedo e ter uma vida previsível e ordinária, mas a única possibilidade que o encanta é de ter essa mulher, que é muitas em uma só.
E, em seu casamento, prometeu amar e respeitar todas elas, sem exceção.
O produto do casal é um filho que também foge do trivial. É criado sem o menor pudor, no meio de adultos, álcool e festas, com os pais sendo exatamente o que já eram antes.
Sabedoria
Quando percebemos o quão eloquente e sábio o pequeno Gary é, podemos começar a achar que o filme pode ser, na verdade, uma lição. Porém, quando começamos a nos acostumar com essa rotina extraordinária, a narrativa puxa nossos pés novamente para o chão e o pequeno Gary sofre as consequências de pensar e viver de forma diferente do mundo ao seu redor. “Vocês não tem imaginação”, condena Gary enquanto sofre bullying na escola.
A mãe, que condena rotina, tira o filho da escola ao perceber que este está sofrendo. A partir disso, os pais começam a educá-lo de forma lúdica e efetiva. Esta parte me fez recordar de ‘Capitão Fanstástico’ (2016) não pela sua natureza de crítica social e política, mas pelo desejo de viver sem amarras e de uma forma não convencional, criando o filho de acordo com as suas crenças e forma de viver, ignorando a forma como o mundo funciona.
A mãe (interpretada por Virginie Efira), que a cada dia tem um nome, dá indícios de transtorno de bipolaridade. Segundo ela, não faz nada pela metade. Nunca esta tranquila, só feliz ou triste. Já Georges, que adere às suas loucuras, demonstra lapsos de realidade em momentos críticos, mas logo volta ao mundo da imaginação.
Pessoalmente, eu adoro essa abordagem, porque traz o que o cinema pode fazer de melhor, que é trazer pra tela o que não podemos fazer na vida real. Tudo o que sentimos vontade de fazer mas não podemos, a família faz, nos representando, nos vingando de certa forma. É gostoso de acompanhar essa imprevisibilidade e essa falta de compromisso ou preocupação com as consequências.
Conflitos
A irresponsabilidade dos protagonistas gera conflitos e problemas financeiros que fazem o espectador sair dessa nuvem de admiração. No entanto, ainda assim, se faz questionar algumas vezes se não seria mais vantagem viver dessa maneira. Mesmo que endividada, livre e feliz.
Quando Camille toma uma atitude que parece absurda e vemos o marido correr atrás dela, temos certeza que ele vai “salvá-la” de sua loucura e consertar a situação, mas nossa expectativa é quebrada e é impossível não esboçar um sorriso com a imprudência deles. É encantador e libertador.
Trazendo os eventos do filme para realidade, começamos a entender que Camille é extremamente dependente do marido e que precisa de ajuda psiquiátrica.
Porém, é inevitável sentir simpatia por ela. Até certo ponto, faz sentido não se acostumar e não aceitar que não é possível estar presente da pessoa que se ama o tempo todo, devido à necessidade de trabalhar pra viver, entre outras coisas com as quais já nos acostumamos.
Limite da loucura
Trabalhando nessa linha tênue entre os limites da loucura, Esperando Bojangles nos faz oscilar entre a compaixão pelas dificuldades da protagonista, por ser uma pessoa inconformada com as convenções, a ponto de questionarmos a nossa própria conformidade, e a preocupação com a situação que vai se agravando pelo fato dela viver no mundo real, e não num conto de fadas.
Eu me perguntava: “é lindo como só o marido a entende ou é bizarro o poder que ele tem sob ela?”. Definitivamente este misto de risos e melancolia é o que define o tom do filme e o torna especial.
“O ponto forte da sua mãe também é um problema. Ela tem muita imaginação”, diz George para o filho quando as coisas começam a se complicar.
O final parece inevitável, um fim épico para uma vida épica. Demonstrando a sensibilidade do roteiro, a última cena do casal junto ressoa como a primeira, girando em torno da dança, que por tanto tempo os uniu.
Na cena dos fogos, uma das últimas do filme, George volta a ter o mesmo olhar de solidão que teve nas sequências iniciais, antes de conhecer sua amada e ter com quem compartilhar sua loucura.
Além disso, nas cenas finais, quem conduz é o pequeno e sensacional Gary. Demonstrando mais uma vez muita experiência e inteligência para uma criança, ele traz conforto para os espectadores e reforça que a imaginação tem que estar sempre presente em nossas vidas para podermos ser felizes.
O diretor, Régis Roinsard, declarou que quando finalmente leu o romance no qual Esperando Bojangles é baseado, percebeu que este levantava várias questões sobre amor. “Até onde podemos ir em nome da pessoa que amamos?” Esta questão me acompanhou durante todo o filme, me recordando do trágico e intenso Jeux d’enfants’ (2003) de Yann Samuell, com um final de tirar o fôlego, repleto de imprudência, amor e tragédia.
Por fim, com uma trilha sonora incrível, personagens profundos e extremamente fáceis de acompanhar num roteiro redondo e muito bonito, Esperando Bojangles se tornou um dos meus favoritos do ano.