Cinema
O Rolo Proibido | O cinema como patrimônio e a história do cinema afegão
Publicado
3 anos atrásem
Por
Luciano Bugarin
O Afeganistão é um país que vem sofrendo desde muito tempo com constantes mudanças de poder e instabilidades políticas. Desde as invasões britânicas no século XIX, passando por guerra civil, monarquia, revolução comunista, guerra fria e extremismo religioso, o país vem perdendo gradativamente sua identidade, sua cultura e sua história.
A princípio, é difícil hoje em dia não pensar em outra coisa que não seja guerra quando se fala no país. O país vem sofrendo sistematicamente com opressão, guerra, violência e miséria de forma especialmente intensa desde os anos 1990. Não é comum pensar em indústria cinematográfica quando se fala do país.
Porém, o Afeganistão é dono de um cinema nacional de grande valor histórico e cultural. Há uma trajetória impressionante, mas desconhecida não apenas do resto do mundo, como dos próprios afegãos.

Cinema é cultura e história
O filme “O Rolo Proibido” documenta a história do cinema afegão desde a criação da Afghan Films em 1968, passando por um governo comunista nas décadas de 1970 e 1980 e a perseguição implacável do Talibã a cultura, artes e história em geral.
Logo no começo do filme vemos alguns funcionários da Afghan Films relatando que os Talibã ordenaram que queimassem todos os filmes do acervo da instituição, pois seriam antimuçulmanos.
O diretor Ariel Nasr, filho de afegãos e nascido no Canadá, sempre foi um pesquisador obstinado da cultura cinematográfica afegã. Logo, ficou positivamente surpreso com a quantidade incrível de filmes que há anos não eram vistos e eram tidos como perdidos para sempre. Centenas de horas de filme que representam uma rica história do Afeganistão. Cada filme representa o retrato de uma época e apresenta as diversas mudanças históricas que o país vem passando.
Ódio ao cinema
Inicialmente mais focado em produzir documentários e cinejornais, a Afghan Filmes, durante o governo comunista viu o crescimento da produção de ficções. Aliás, chegaram produzir até seis filmes por ano. Após a saída das tropas soviéticas, os documentários passaram a ter mais força novamente. Posteriormente, os Mujahidin também viam a importância do cinema em apresentar as futuras gerações os acontecimentos históricos.
Uma característica de estados opressores é a destruição sistemática da história e a cultura de um povo. Quando os Talibãs assumiram o controle do país após anos de uma guerra civil que destruiu a capital Cabul, uma série de regras extremistas foram impostas, especialmente em relação à cultura. Eles tinham ódio do cinema.
Amor ao cinema
O filme acompanha a história do cinema afegão a partir da história de dois importantes cineastas: Engenheiro Latif (chamado assim por ter se formado em engenharia) e Siddiq Barmak. Dois cineastas de gerações diferentes e formações diferentes. Enquanto o primeiro aprendeu a fazer cinema realizando propaganda, o segundo foi convidado pelo governo comunista para estudar cinema em Moscou. Enquanto o primeiro realizou filmes desde o surgimento da Afghan Films, sob governo monarquista, e depois sob governo comunista, o segundo realizou filmes com financiamento dos rebeldes Mujahidin. Em comum, ambos foram presidentes da Afghan Films e ambos nutrem um amor pelo cinema.
O cinema afegão começou quase que como o cinema brasileiro: a partir da paixão de seus cineastas e não como uma indústria em si. Afinal, o governo monarquista não tinha tanto interesse além de realizar cinejornais sobre acontecimentos oficiais. Os cineastas realizavam ficções a duras penas. Faziam por paixão ao cinema e com muito trabalho, quase como os cineastas do Cinema Novo no Brasil.
A história de como Latif conheceu o cinema na infância é quase como uma adaptação de “Cinema Paradiso” de Giuseppe Tornatore. Embora houvesse influência em especial do cinema indiano, os cineastas criaram um cinema afegão genuíno que falava sobre os afegãos e apresentava histórias significativas para a população.
Barmak atualmente vive na França e venceu o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro pelo filme Osama, de 2003.
Filmes restaurados
Enquanto o país passava por diversas mudanças políticas através de conflitos extremamente violentos, esses cineastas pensavam “O que acontecerá com o cinema”? Poderemos continuar a ver filmes? Embora o governo comunista fosse incentivador da cultura, ele era antiocidental, ou seja, filmes americanos, nem pensar. Já os Talibã eram totalmente contra o cinema em qualquer nível, fosse por ter a presença de mulheres (as quais o regime proibiu de aparecerem na televisão ou cinema), ou sua iconoclastia.
O filme utiliza de forma impressionante diversas cenas de filmes restaurados, que vêm sendo digitalizados para serem vistos, divulgados e preservados, assim preservando-se parte da história afegã.
O filme nos mostra a importância do audiovisual, quando em 1994, Barmak orienta os cineastas da Afghan Films a registrarem os primeiros crimes cometidos pelo Talibã. O registro é importante para a história e para combater a impunidade.

Salvando filmes
Nasr mostra como o amor pelo cinema e pela cultura pode salvar todo o arquivo de filmes da Afghan Films, pois mesmo dentro do Talibã, existia pessoas que tinham consideração com a cultura e história de seu país. E os filmes foram salvos da destruição graças a um membro, que era diretor da TV e rádio Talibã, que avisou os funcionários do acervo para esconderem os filmes antes da tragédia, que felizmente foi evitada.
Quando os Talibãs chegaram, os filmes estavam guardados secretamente. Então, eles queimaram alguns filmes estrangeiros da Índia, Rússia e Estados Unidos achando que eram os filmes da Afghan Films. Embora ainda um cenário triste, todos eram cópias e não os filmes únicos do Afeganistão que se perderiam para sempre se queimados.

Cinema é patrimônio
O filme nos mostra a importância do cinema como patrimônio histórico e cultural de uma nação. Um povo sem memória e sem cultura é um povo sem identidade, perdido a mercê de poderes opressores e desumanos. O cinema nacional afegão era motivo de orgulho para seu povo, que lotava as salas de cinema para ver suas histórias na tela.
Podemos ver a situação de perseguição dos Talibãs a Afghan Films como as constantes ameaças que a Cinemateca Brasileira vem sofrendo constantemente. Desde a retirada dos cartazes dos filmes de sua sede, ameaça de despejo, de transferência, de corte de fundos, de alteração de direção até a dissolução definitiva. Tudo ameaçando a preservação de aproximadamente 250 mil filmes históricos.
Amor pela Sétima Arte
“O Rolo Proibido” é uma declaração de amor ao cinema, ao Afeganistão, ao cinema afegão e a liberdade artística. Aliás, em determinada parte do filme é dito que “filmes são páginas da história de um país”. O cinema é um elo de um povo com sua história e sua cultura. Isso aparece claramente quando o cineasta Barmak apresenta aos Mujahidin a ideia de fazer um filme de ficção, pois segundo ele era a maneira mais eficiente de mostrar as pessoas seus motivos e ideais.
Por fim, o filme nos mostra a mensagem que a arte e a cultura está acima de qualquer disputa de poder política ou ideológica. Que acima de tudo elas devem permanecer sob proteção e ter divulgação. Além disso, fica claro que a censura é a forma mais eficiente de acabar com o espírito de uma nação. As pessoas que arriscaram suas vidas para salvar os filmes afegãos ajudaram a preservar a identidade e a memória de um povo, que clama cada vez mais por paz e sonha com um país novamente estabilizado e que possa se reconstruir.
Afinal, saiba como assistir:
O filme faz parte da programação do festival É Tudo Verdade e será exibido dia 28/09/2020 às 18:00.
Em seguida, leia mais:
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Professor de artes e cineasta independente. Sou cinéfilo, fã de Simpsons, entusiasta de artes que fogem do óbvio e músicas barulhentas.

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Publicado
16 horas atrásem
2 de dezembro de 2023Por
Livia Brazil
Em uma noite que entrará para a história da CCXP, a Netflix e Zack Snyder apresentaram pela primeira vez para o público, na sexta (1), o universo de Rebel Moon, nova aventura épica do diretor. Além de Snyder, que fez sua grande estreia na CCXP, o elenco do filme e os produtores Deborah Snyder, Eric Newmann e Wes Coller também participaram do painel no Palco Thunder, nesta sexta (1), onde aconteceu a primeira exibição mundial de Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo, que estreia no dia 22 de dezembro na Netflix.
O aguardado painel, que contou com a apresentação de Carol Moreira e João Luis Pedrosa, começou com a invasão do temido Mundo-Mãe. Soldados dominaram o palco e, em seguida, a audiência foi transportada direto para os planetas e luas da saga, como Veldt e Neu-Wodi, além de descobrirem as criaturas e novos heróis do universo Rebel Moon! Snyder, os produtores e elenco, formado por Sofia Boutella, Djimon Hounsou, Ed Skrein, Michiel Huisman, Ray Fisher, Charlie Hunnam, Staz Nair e E. Duffy, receberam muitos aplausos dos fãs brasileiros a cada interação dos atores. Para o delírio do público, Charlie Hunnam exibiu a camiseta do Brasil por baixo do figurino, Ed Skrein fez uma entrada triunfal ao lado de soldados do Mundo-Mãe, enquanto Staz Nair surpreendeu o público ao mandar ver no português, com direito a um “obrigado, família!”.
Exclusividade para o Brasil
Snyder, junto do elenco e demais produtores, compartilhou detalhes exclusivos sobre os personagens e as experiências de gravação no set de filmagem. Em um momento emocionante de celebração dos fãs, seis sortudos da plateia puderam fazer suas perguntas diretamente para os atores. “Para mim, escalar o elenco é uma parte muito importante de fazer um filme. Eu tinha ideias muito específicas do que queria para os personagens. É uma honra e um privilégio incrível trabalhar com esses atores”, comentou Snyder, enquanto Sofia celebrou sua protagonista “badass”.
No auge do painel, a exibição na íntegra de Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo, no telão do Thunder, se materializou em um espetáculo visual repleto de ação e efeitos especiais que deixou a audiência em êxtase. “Rebel Moon é uma carta de amor para a ficção científica”, anunciou o diretor sob uma salva de palmas.
Mais surpresas
E não parou por aí. Ao final da sessão, o público (e o elenco!) se surpreenderam com um teaser inédito da Parte 2 do filme, também exibido pela primeira vez no Brasil. Com isso, a expectativa foi lá no alto para a estreia de Rebel Moon – Parte 2: A Marcadora de Cicatrizes. A parte 2 chega na Netflix em 19 de abril de 2024.
Vale lembrar que o público da CCXP tem até domingo (3) para explorar o universo Rebel Moon através de experiências imersivas exclusivas. Réplicas hiperrealistas, interações com criaturas do filme, visitas ao bar de Providence e a oportunidade única de estrelar Rebel Moon em um trailer personalizado. Essas são apenas algumas das experiências que aguardam os fãs nos próximos dias. Chega mais, o futuro pertence aos rebeldes.
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