Não há nada de muito inovador no enredo de O Vento Muda (Le Vent Tourne, 2018), de Bettina Oberli. Pauline (Melánie Thierry) e Alex (Pierre Deladonchamps) vivem em uma fazenda, tentando uma vida harmoniosa com a natureza e com os animais. Além disso, servem de hospedagem para alguns jovens melhorarem a saúde. Como a jovem de Chernobyl, Galina (Anastasia Shevtsova), que graças à radioatividade possui insuficiência em alguns nutrientes no sangue.
Além da chegada de Galina, há a chegada de Samuel (Nuno Lopes), engenheiro que veio para a fazenda para instalar a torre de energia eólica. Assim, o casal poderá viver com eletricidade da forma mais natural e menos prejudicial à natureza possível. A essa altura, apenas lendo a sinopse do filme, já é possível supor que a chegada desse engenheiro proporcionará uma história de possível triângulo amoroso, sacudindo as certezas do casamento de Paulino e de Alex. E quem supôs isso, fez certo. Mas o filme se destaca ao contar essa velha história com a riqueza de detalhes das coisas cercam Pauline, como também se destaca no jogo de relações de ideologias, crenças e paixões diferentes entre todos os personagens e de Pauline.
Cidadão do Mundo
No primeiro momento que Samuel aparece no filme, ele atropela um porco do lugar, e, como uma forma de tentar se desculpar, se oferece a pagar pelo porco para que ele coma mais tarde. Desde então, pelo pouco apreço com a vida dos animais dali, já sabemos que ele é um personagem totalmente distante daquele mundo. Logo descobrimos, com o decorrer do filme, que Samuel é um cidadão do mundo, viajando para diferentes países, conhecedor de muitas culturas e idiomas (há momentos que ouvimos ele falando em português no celular, para logo em seguida falar em russo com Galina), instalando o cata-vento apenas para cumprir seu trabalho e não por um viés ideológico com a sustentabilidade. Enfim, uma pessoa livre no mundo, que não fincou raiz alguma, nem em nenhuma terra, nem em nenhuma ideia, nem em nenhuma cultura.
O total oposto do marido de Pauline, Alex, que é muito apegado a terra, ao cultivo, aos animais. Uma pessoa que vê o mundo do tamanho que ele tem, mas que vive um mundo do tamanho de seu terreno; que defende um mundo justo e sustentável, e que vê seu modo de vida como mais uma engrenagem nessa justiça e sustentabilidade do mundo. Que chega a negar a medicina para cuidar de seus animais doentes, pois a medicina é desapegada do contato transcendental da harmonia com a natureza.
Amizade e descobertas
Em um determinado momento onde os dois homens debatem, sentados perto de uma fogueira, suas visões de mundo e acabam discutindo, Pauline critica o comportamento de seu marido, sendo esse o primeiro momento que se torna óbvia o interesse de Pauline por Samuel. Não apenas por Samuel, mas o que Samuel é e representa: possibilidades que Pauline ainda desconhece. E a personagem que espelha o interesse pelas novas possibilidades por Pauline é Galina. Galina é jovem, não se preocupa com as seriedades ainda da vida, e tem uma vida inteira pela frente para descobrir.
Pauline e Galina se unem conforme o filme se desenrola, se tornando mais amigas, mais confidentes, indo a lugares novos juntas, porque Pauline cada vez mais rejuvenesce seu olhar (e seus desejos) pelo o que o mundo pode oferecer. Não que Pauline se desinteresse ou não goste da vida da fazendo ou do ponto de vista que Alex expõem de como viver a vida. A diretora Bettina Oberli, inclusive, cuidadosamente tece as imagens de constante encantamento pela vida que Pauline tem, detalhadamente trazendo a beleza dos animais, da grama, de seus pratos, de seus instrumentos de trabalho.
Guia para o desconhecido
Mas com a chegada de Samuel, outros detalhes aparecem – e são detalhes gigantes. O grande cata-vento sendo instalado é visto com total encantamento por Pauline, assim como as longas estradas quando está ao lado de Samuel no carro. No interesse de conhecer novas formas de viver e enxergar a vida, Pauline se entrega física e espiritualmente à aquele que representa não mais um invasor de seu território, mas um guia para um caminho desconhecido (como fica claro na cena da neblina no precipício). Contudo – e talvez seja um spoiler comentar isso – o nervo central do filme se revela, pouco a pouco, não ser sobre uma mera busca de um novo viver, mas sim de aprender a andar por novos lugares sem muletas ou guias ou mapas. É sobre se entregar às incertezas que os jovens se entregam sem saber que são incertezas.
*O Vivente Andante recebeu o convite para ver antes alguns dos principais filmes do Panorama Digital do Cinema Suíço que chega à sua 8ª edição. O evento acontece de 27 de agosto a 6 de setembro. Os filmes serão exibidos gratuitamente na plataforma Sesc Digital. O festival é uma realização do Consulado da Suíça em São Paulo e do Sesc São Paulo, em parceria com a agência de cinema Swiss Films.