Dirigido por Maura Delpero, Vermiglio é um filme intimista sobre os impactos da família em nossa vida, e a forma que precisamos seguir em frente após grandes traumas
Em narrativas, quando é mostrado um vilarejo que segue os próprios costumes internos, é necessário a inclusão de um personagem externo para sacudir estes pilares, ocasionando mudanças e reflexões que podem ser positivas, ou extremamente negativas, sempre deixando consequências ao longo da jornada. Barravento (1962, Glauber Rocha) e Teorema (1968, Pier Paolo Pasolini) são dois exemplos dirigidos por homens, porém, o contexto muda quando uma mulher assume a autoralidade, como no caso de Vermiglio.
Confira abaixo o trailer de Vermiglio e continue lendo a crítica
Vermiglio se passa em uma vila remota nas montanhas do norte da Itália, aonde Lucia vive com sua família e irmãos, alheia ao mundo à sua volta que está envolto em uma guerra mundial, porém, com a chegada de Pietro, um desertor siciliano, a vida de todos é afetada, ocasionando uma mudança de consciência e deixando marcas nesta família, anteriormente harmônica.

Cena de Vermiglio- Divulgação 8 1/2 festival de cinema Italiano
A produção de pouco menos de duas horas apresenta um ritmo lento e único, sendo impossível não ser considerado um filme legitimamente europeu, principalmente por sua autoralidade, dentro de uma produção que não apresenta catarses ou momentos de grande tensão, somente acontecimentos cotidianos da vida de uma família, seja a interação de Lucia e Pietro, na medida que a jovem pouco sabe sobre as nuances do amor e da sexualidade, ou os preconceitos e misoginias que surgem no vilarejo quando os cidadãos entram em contato com cada vez mais novidades e suspeitas.
A fria cinematografia de Vermiglio, com o pano de fundo dos alpes italianos, somado com uma paleta de tons azuis e pastéis, auxilia em uma imagem de grandiosidade e impotência do ser humano, demarcando como o próprio ambiente em que se vive, sempre será maior do que nossas próprias vontades, códigos sociais ou de ética, sendo inevitável que algo sempre mexerá nesta estrutura, tendo que cada um lidar com os próprios demônios internos para avançar dentro da situação.
Em Vermiglio, isto é demarcado por meio de Cezare, o pai de Lucia, professor do vilarejo e patriarca da família, com mais de 8 filhos sobre sua vigília. O contato com as mudanças e reflexões trazidas pelo fim da segunda guerra mundial, e por Pietro, o faz entrar em contato com a própria noção de provedor, pai, e marido, o fazendo encarnar a persona de um déspota que impede a própria filha de estudar, e maltrata o filho mais velho de forma humilhante.
Ao longo de quatro estações, demarcadas de forma bélissima por meio da sinfonia de Antonio Vivaldi e uma poética explicação de Cezare, acompanhamos a frágil família se quebrando.

Cena de Vermiglio- Divulgação Oficial
Por meio de um sutil roteiro, recheado de subtextos compreendidos individualmente de acordo com a vivência do espectador, a produção apresenta uma narrativa pouco verbal, porém, extremamente emocional em sua dinâmica, na medida que todos os personagens apresentam um olhar gritante, transmitindo a sua dor sem necessitar abrir a boca, auxiliado por uma narrativa que traz, em certos momentos, um humor leve que atua como complementar para esta história trágica de desapego, rompimento e acima de tudo: perseverança.
Geralmente, filmes sobre a segunda guerra mundial mostram os impactos nos epicentros, seja os campos de concentração e de batalha, ou nas cidades ao redor, como é o caso de Stella: Vítima e Culpada (2025, Kilian Riedhof), porém, Vermiglio se passa longe de tudo isso, trazendo um sentimento de onda, retratando as consequências que foram originadas nas estruturas anteriormente tão bem estabelecidas, e a inevitável mudança que todos passaram, e dentro de uma visão otimista, e feminista, trazida por Maura Delpero, conseguiram perseverar por conta da consciência e liberdade da mulher e da mãe, que mesmo com todos os embates, encontra esperança.
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