Kursk – A Última Missão é uma coprodução entre Bélgica, Luxemburgo e França sobre a maior tragédia envolvendo submarinos da história, quando o submarino russo Kursk afundou em agosto de 2000. O filme segue uma tradição de filmes de guerra ambientados em submarinos com seus tripulantes em perigo como o clássico “O barco” (1981) e alguns mais recentes como U-571 (2000).
A película não procurar glamourizar os esforços incansáveis da tripulação do submarino na busca por sua sobrevivência. Apesar de claramente existir um personagem que funciona como um líder, isto não ocorre em função de promover nenhum heroísmo. Apenas segue a lógica de uma tripulação militar ter alguém no comando. Não há heróis. Há tripulantes que desejam apenas sobreviver e voltar a suas famílias.
Os grandes obstáculos que se apresentam contra o resgate bem-sucedido destes soldados são o fator do tempo, pois logo o oxigênio acabará e a burocracia do governo russo. O longa mostra constantemente os personagens reclamando de aparelhos que não funcionam e a obsolescência de diversos equipamentos que eles estão controlando. Muitos foram vendidos e os poucos restantes estão antigos e não recebem manutenção adequada.
Governantes batalham com vidas alheias
Kursk – A Última Missão deixa claro o ar de crítica ao governo russo, embora deixe de citar diretamente por exemplo o presidente russo na época, Vladimir Putin, mas que pode ser relacionado a alegoria do personagem do almirante Petrenko (o veterano Max Von Sydow). Mostra-se o tempo todo a incompetência e a arrogância do governo ao lidar com o caso. Um resquício dos tempos de União Soviética onde o estado não podia ter suas falhas apontadas mesmo quando as mesmas eram totalmente visíveis.
O filme inclusive foi proibido de ser filmado em território russo sob a desculpa de que o governo tinha outras preocupações mais importantes. A mania de grandeza é óbvia também na recusa pela ajuda estrangeira. O Kursk na época era considerado um submarino indestrutível. Por isso os comandantes da marinha tentam a todo custo inventar histórias e ocultar fatos do resto do mundo.
Apesar de falar especificamente sobre a Rússia, pode-se pensar neste filme como uma mensagem universal. Frequentemente governantes colocam seus países em guerra por motivos econômicos ou pessoais. Guerras estas que são lutadas por soldados que colocam suas vidas em jogo para defender a pátria e seus ideais, mas estão apenas defendendo muitas vezes um patamar econômico que eles nunca atingirão, um establishment de algum governo ou aliança internacional.
Não há nobreza em morrer pelo país
Governantes brincam de guerrear pelos seus egos usando vidas alheias. O tempo todo os soldados mantêm esperança por que confiam cegamente que seus superiores farão de tudo para salvá-los, quando o que vemos é um retrato de como quem está no poder normalmente não se importa em fazer o justo e sim deixar seu nome na história de forma grandiosa. E não se consegue isso admitindo suas próprias falhas.
Podemos pensar até brevemente na atual situação de tensão entre Estados Unidos e Irã, onde o governo americano elimina um recente aliado na guerra contra o terrorismo e logo depois pede um acordo de paz.
É como se Kursk – A Última Missão quisesse nos apontar que não há nobreza em morrer pelo país quando as vidas de centenas de soldados estão a mercê da vaidade de governantes que ao invés de irem para a guerra mandam outras pessoas em seus lugares. Este sentimento é sintetizado na última cena através do simples gesto de uma criança.
Tramas paralelas pouco exploradas
O filme consegue manter um clima de tensão de forma eficiente, especialmente nas cenas onde o submarino é danificado e quando os soldados têm que lidar com problemas de inundação e psicológicos pelo constante sentimento de busca pela sobrevivência. Estamos sempre esperando que alguma outra contrariedade surja para atrapalhar a vida dos marinheiros, mas continuamos na esperança de que eles conseguirão superar.
Porém há tramas e personagens paralelos que podiam ser melhor aproveitados como o personagem do capitão britânico que busca ajudar no resgate (Colin Firth) cujas motivações não chegam a ficar muito claras e a personagem da esposa de um dos tripulantes (Léa Seydoux). Justamente o que assume a liderança do submarino, no passo que ela também acaba agindo como uma líder das esposas dos tripulantes. Sua personagem acaba funcionando como uma guia da indignação do espectador que vai percebendo assim como ela as incoerências e injustiças do governo russo.
A direção é de Thomas Vinterberg, conhecido diretor que foi um dos fundadores do movimento Dogma 95 e diretor do aclamado “Festa de família” (1998). Pode parecer um filme inusitado para seu estilo e realmente o filme não apresenta grandes inovações no gênero, mas o filme cumpre seu papel de informar e entreter.
Apesar do filme apresentar um acontecimento relativamente recente, é sempre importante relembrar para buscar justiça mesmo que muito tardia. Não espere uma obra prima, mas um bom filme de guerra, contudo, sem guerra na história. A guerra aqui é pela sobrevivência e dignidade.