“A arte existe para que a realidade não nos destrua.” Nietzsche (A Origem da Tragédia)
Essa semana vi um post no Instagram em que um artista indagava, quase que com culpa: “Gente, nesse momento fico com vários questionamentos, até sobre minhas Lives, com tanta gente sofrendo nesse momento, espero que pelo menos traga felicidade para alguém.”
Qual a função da arte, do drama e, principalmente, da comédia em situações históricas como a que vivemos hoje? Como é possível rir em meio à pandemia? Vivemos um cenário análogo à guerra, os números, estatísticas e perdas são comparáveis.
Nos acostumamos a dizer que a linha de frente está nos hospitais e que os profissionais de saúde se tornaram os novos heróis. Além disso, nos deparamos com todos os demais efeitos secundários à contaminação pelo vírus: crise econômica, afloramento de delírios psicológicos e agravamento das questões sociais – depressões e ansiedades de quem vive em confinamento – ou sempre viveu. Mas é aí que surge uma outra linha de enfrentamento: a linha de trás. Isso lembra um filme.
“Durante a Segunda Guerra Mundial na Itália, o judeu Guido e seu filho Giosué são levados para um campo de concentração nazista. Afastado da mulher, ele tem que usar sua imaginação para fazer o menino acreditar que estão participando de uma grande brincadeira, com o intuito de protegê-lo do terror e da violência que os cercam. ”
A linha de trás é uma linha de frente ao contrário. E é ao contrário das coisas que o Teatro, o Circo, o Cinema, a Poesia, a Música, etc, normalmente se direcionam. O mundo para quem busca fazer arte é invertido. É assim em “A Vida é Bela”, que explora o lúdico, a fantasia e a alegria em meio a uma das maiores tragédias da humanidade.
O humor
A guerra rolava e em “O Grande Ditador” (1940) Chaplin também fazia humor com a situação e o nazismo, a peste da época. Ele faz isso para a linha de frente? Não, ele fez para quem estava em casa. A Peste não atinge apenas os órgãos, mas também onde eles não estão. Em o “Teatro e e seu Duplo”, Antonin Artaud faz uma comparação do vírus com a dramaturgia “Como a peste, o teatro é, portanto, uma formidável convocação de forças que reconduzem o espírito à origem de seus conflitos.”. Isso é o drama real, a ação que nos desloca de lugar, que traz o impensável e o impossível. Não exatamente por que o teatro deva se espalhar, mas por que ele deve fazer máscaras caírem. É necessário imaginar para criar outros mundos.
Na comédia, esse conflito fica mais visível, ao mesmo tempo que paradoxal. Ela desarticula tensões. Nesse caso, “fazer piada com a situação” é uma expressão equivocada para se referir a alguém que está diminuindo uma questão, como fazem alguns presidentes. Fazer humor não é menosprezar, ao contrário, é elevar a questão para ser pensada.
A pandemia além de perdas também trouxe um delírio coletivo e a interrupção da ordem estabelecida. E o caos é sempre o princípio da criação. Finalmente, a frase batidona de Nietzsche lá em cima fez todo o sentido, na prática.
Coronganews – Delírios da Quarentena
No meio dessa desordem que surgiu o Coronganews. Um telejornal confinado que mostra em cinco episódios, de forma nada precisa e consistente, os últimos acontecimentos de um mundo Pandêmico.
O humor é o mais inocente dos assassinos, mata o espírito de gravidade. A realidade nunca esteve tão pesada. Precisamos de uma arte que fuja da dicotomia verdadeira x falsa, mas que se guie pelo parâmetro do interessante.