Dando abertura à 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, teve a exibição de “Ostinato”, documentário de Paula Gaitán. O filme mostra o processo criativo de Arrigo Barnabé. Este músico, compositor e ator londrinense teve, e tem, uma carreira musical e criativa vanguardista que quebra e reescreve os paradigmas da música brasileira desde o lançamento do seu álbum Clara Crocodilo em 1980.
A partir de conversas com Barnabé, Gaitán demonstra um controle afiado da mídia cinematográfica, tanto que a mesma é a artista homenageada nesta edição da Mostra. Um total de 8 dos seus filmes estão disponíveis até o dia 30, incluindo o já mencionado “Ostinato” bem como “Exilados do Vulcão”, “Noite”, “Luz nos Trópicos”, “Diário de Sintra“, “Se Hace Camino al Andar”, “Mulher do Fim do Mundo, Elza Soares” e “Ópera dos Cachorros”.
O filme
O documentário parece focar na experiência de Barnabé na sua profunda experimentação sonora. Ao tratar de Clara Crocodilo vemos algo novo em filmes sobre música: a falta total de trechos originais das canções. Gaitán prefere adicionar clipes de Barnabé tocando ao vivo no piano. Uma escolha tão pequena, mas que traz um diferencial grande, pois o foco sai do outrora e vem pro agora. A visão atual da obra e sua interpretação são mais importantes do que algum significado considerado durante a composição. Dessa forma, a direção demonstra um conceito simples, porém profundo: toda obra está em constante evolução e mudança. A interpretação muda de acordo com o contexto e período onde passar por análise.
Esgrima intelectual
De longe, uma das partes mais profundamente interessantes deste curto documentário é o diálogo final entre diretora e retratado. Existe algum de uma esgrima intelectual que é puramente unilateral; Barnabé fala com uma franqueza e paixão que demonstram um conhecimento extenso, mas cheio de significado. Enquanto Gaitán parece (e aqui peço desculpas por essa impressão negativa) se esforçar para demonstrar um grande repertório de conhecimento que impressiona, mas que é finalmente, terrivelmente denso. Algo na alma criativa de ambos está em dissonância (assim como nas músicas dodecafônicas de Barnabé). Talvez num momento de meta humor, Gaitán dá um fade na sua fala e insere um poema de Barnabé, tentando demonstrar a mente que se solta de algo fascinante porém muito complexo, assim levitando nas suas próprias ideias e discursos internos.
Finalmente, a curta duração do filme ajuda a manter um clima leve apesar dos temas exóticos para uma audiência média. Gaitán mostra um lado não explorado da música popular brasileira. Aliás isso, por si só, demonstra um grande respeito pela arte brasileira, mas um grande apreço pelo diferente.
Afinal, criar acessibilidade a algo normalmente não cultuado é uma das formas mais nobres de se auxiliar a expansão da arte em si, sendo assim, Paula Gaitán está de absoluto parabéns.