Em um cenário de molduras vazias que também representam janelas e podem até se transformar em cabideiros, Marcélli Oliveira entrou em cena, sob a direção de Leonardo Hinckel, para a estreia do relevante – e divertido – espetáculo Se Não Agora, Quando?. “Por mais que me desloque não conseguirei ir para longe de mim”, diz a personagem em certo momento. Não há mais tempo a perder e os idealizadores da peça sabem disso. Em cima disso, o texto é bom, divertido, leve, e, ao mesmo tempo, contundente e perspicaz. Marcélli percorre todo o palco, indo e vindo, demonstrando disposição praticamente infindável.
Certamente, o espetáculo é corajoso ao assumir uma árdua missão: falar de suicídio. Um tema considerado grande tabu no Brasil, e uma palavra que ninguém quer ouvir ou comentar. “O assunto é delicado por si só e é tabu. Você fala de suicídio e parece um palavrão, mas a gente tem que falar para proteger as pessoas de cometerem o ato. A gente teve uma questão de fazer a peça e na divulgação ter que ficar tomando cuidado porque as pessoas diziam que não podíamos usar a palavra suicídio, quando sabemos por estatística que o suicídio é altíssimo e a precisamos falar, não esconder”, disse o diretor da peça, Leonardo Hinckel.
Números da depressão e suicídio
Inclusive, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em dez anos. A previsão da OMS é que, nesse ano de 2020, seja a doença mais incapacitante do planeta. Além disso, a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio.
Segundo a pesquisa de 2019 do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope): Depressão, suicídio e tabu no Brasil – um novo olhar sobre a saúde mental, realizada com mais de dois mil brasileiros, a partir dos 13 anos de idade, em diferentes regiões do país, a situação é alarmante. A pesquisa mostrou que uma em cada quatro pessoas já pensou em se matar durante a adolescência. Ademais, sobre a depressão, há muita vergonha do diagnóstico, do tratamento, de procurar ajuda e das pessoas descobrirem sobre a doença. Dessa forma, a depressão é vista como um tabu e pode acabar levando ao suicídio se não for tratada.
Apesar de mais comum em idosos, a tragédia vem crescendo entre os jovens. No Brasil, o suicídio já é a quarta maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade. A saber, de 3% a 5% das emergências atendidas nos hospitais são de tentativas de suicídio. Entre as pessoas que tentam se matar, cerca de 38% possuem transtornos de humor e 22% possuem transtornos por uso de substâncias.
Sem estereótipos
É nessa linha tênue que a Se Não Agora, Quando? segue, abarcando o tema do suicídio para viajar entre os traumas e dúvidas que a protagonista coloca, questionando o livre-arbítrio e as escolhas como sentenças. A opressão do escolher permeando as reflexões sobre vida e morte. O chão, o palco, vira um grande quadro negro, onde Marcélli risca, com um giz, nomes, desenhos, horas, ilusões. A peça fornece várias quebras, entre gritos súbitos e interações com a plateia. A atriz chega a desaparecer em cena, enquanto escutamos barulhos que assustam e provocam a imaginação.

“Falar de forma leve, não cair no clichê, no estereótipo. Não transformar esse momento numa choradeira. As pessoas tem problemas, sempre vão ter problemas. O importante é como você resolve os problemas. Ninguém pode ter a ilusão de uma vida sem problemas. A forma de resolver não é tirando a própria vida. É o que ela fala na peça, a pessoa muitas vezes se joga e se arrepende, só que consegue sobreviver. E se você não sobrevive? É difícil, um assunto delicado. A comédia exerce essa função, tudo que precisa ser colocado em certa perspectiva você faz rir, mas a pessoa sai pensando”, declarou Leonardo Hinckel ao final da exibição.
Atuação que emociona
A atuação de Marcélli Oliveira não decepciona, pelo contrário, emociona. Demonstrando bastante expressividade corporal e facial, passa a mensagem que deseja brincando com o espaço durante todo o tempo, inclusive no meio da plateia. O figurino é simples, mas extremamente funcional. Um vestido por cima de uma calça legging, permitindo que Marcélli realize suas estripulias, saltos e corridas sem problemas. Dois bolsos grandes que parecem serem infinitos compõem o vestido. Tudo pode sair desses bolsos.
A iluminação de Paulo Cesar Medeiros complementa com perfeição, variando nos momentos certos, com apagões precisos e focos incisivos, ampliando a força da mensagem. Em suma, o objetivo maior desse espetáculo teatral é claro: provocar reflexão e conversar sobre depressão e suicídio de uma forma diferente. Sem dúvidas, tal meta é alcançada com eficiência. Foi possível perceber o quanto a peça é engraçada pela grande quantidade de risos e gargalhadas que ecoavam. Todavia, também vi lágrimas caírem. Algumas pessoas saíam com faces pensantes, outras sorriam, e as conversas fluíram naturalmente após o término. Afinal, um encerramento poético dá o tom, buscando apagar o perigo, desfazer o medo, estimulando a esperança, o discernimento – e a vida.
Serviço:
“SE NÃO AGORA, QUANDO?”
Temporada: 07 a 16 de Fevereiro / 06 a 15 de Março
Horários: Sexta-feira a domingo – 19h
Local: Sesc Tijuca – Teatro II
Rua Barão de Mesquita, 539 – Andaraí – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 3238-2164 / 2428 / 2139
Ingressos: R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia-entrada) / R$ 7,50 (associados do SESC).
Duração: 60 minutos
Classificação: 16 anos
Gênero: Comédia Dramática
Ficha Técnica:
Texto: Marcélli Oliveira
Direção: Leonardo Hinckel
Elenco: Marcélli Oliveira
Luz: Paulo Cesar Medeiros
Cenário: Marieta Spada
Figurino: Tiago Ribeiro
Diretor Musical: Leandro Castilho
Design Gráfico: Raquel Alvarenga
Videomaker: Jony Luz
Fotógrafa: Lívia Kessedjian
Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Assessoria – Gisele Machado & Bruno Morais
Produção: Rubi Schumacher – Curiosa Cultural
Idealização: Marcélli Oliveira