Imagine o seguinte: você é uma pessoa LGBTQI+, envelhecendo, sozinha. Sua família ou sabe desse traço seu e se afastou, ou não sabe e vocês vivem “em paz”. Desde pequene você está acostumade ou com a violência da família, do colégio e das ruas, ou com o ato de performar uma conformidade de gênero segundo as expectativas de uma sociedade violenta. De qualquer forma você sofre, e muito.
“Suk Suk – Um Amor em Segredo” é um ensaio do diretor Ray Yeung sobre a natureza do idoso LGBT e a sua posição numa comunidade. Além de abordar essa temática de forma direta, o filme traz atenção a falta de espaços convidativos e saudáveis para idosos LGBT. Enquanto essa abordagem é um pouco mais didática e “na cara” do que seria esperado, o objetivo é nobre e isso justifica a falta de sutileza.
História
Em um grande resumo, “Suk Suk” apresenta dois idosos, Hoi e Pak, dois senhores homossexuais vivendo no armário com as suas famílias. Pak vive com a esposa e trabalha com taxista a procura de passageiros e alguma pegação pela cidade. Hoi é divorciado e mora com o filho, nora e neta; um homem aposentado e convertido ao cristianismo pela pressão do filho. Ambos vivem mentiras e estão claramente desapontados com as suas vidas, ainda que tenham alguma alegria com a sua prole. O destino une os dois num belo parque e eles começam a conversar amigavelmente, não que essa era a intenção de Pak.
Mais pra frente do filme a história revela as dinâmicas familiares frágeis dos protagonistas, assim como expande sobre as suas vidas pessoais. De longe Hoi é o mais aberto sobre a sua homossexualidade, visto que ele frequenta grupos sociais de apoio LGBTQI+, ainda que esteja fortemente entocado no armário. Esse grupo é responsável pelo subplot do asilo, o que é um posicionamento político e social bem ousado, mas não chega a surpreender devido a temática central. Todos as personagens dentro desse pequeno universo gay de Hong Kong são pouco desenvolvidas, mas cumprem o seu papel de mover a trama, e nisso funcionam muito bem.
Temática
Longe de ser um filme baseado em estereótipos e reviravoltas violentas, “Suk Suk” se assemelha mais a um thriller do que outros filmes do gênero como “Milk” ou “Brokeback Mountain”. A tensão do longa vem de horror existencial em se viver uma mentira, e não de atos de explícitos de violência ou ódio. As micro agressões do filho de Hoi machucam tanto quanto um tiro, ou o triste vazio na vida da esposa de Pak.
Dessa forma, pode-se entender “Suk Suk” como a realidade. Por mais que você esteja com alguém que goste e esteja passando por algo bom, é sempre algo temporário. Nossa própria existência é passageira e leviana. Se procuramos a felicidade estamos indo de encontro ou com o que a sociedade permite, ou contra a verdade que contamos às nossas famílias. Principalmente na idade dos atores, um adeus sempre pode ser o último, tanto que essas separações aparentemente temporárias doem mais do que uma definitiva.
Empatia
Nesse ponto já estou projetando mais do que criticando, mas é algo normal quando se encontra filmes desse tipo. “Suk Suk” te joga contra as rochas da realidade e faz a audiência passar por todas as emoções junto das personagens no filme. Cinema no fundo é isso: compaixão, compartilhar experiências, entender como o próximo vive, fugir da sua vida, sofrer, rir e chorar junto dos outros na sala de exibição. Nesse ponto “Suk Suk” passa a sua mensagem de forma clara e honesta, mesmo que isso seja doloroso.
Enfim, veja o trailer:
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