Nomeada em tributo ao cineasta Carlos Reichenbach (1945-2012), a Mostra Olhos Livres é um recorte da programação na Mostra de Cinema de Tiradentes que se caracteriza pela diversidade de formas e conceitos, sem critérios uniformizantes ou regulamento prévio. Ao longo dos anos, consolidou-se como panorama amplo de algumas das proposições mais instigantes do cinema contemporâneo brasileiro, muitas vezes vindas de realizadores já com trajetória significativa nos circuitos de exibição nacional e estrangeiro.
Em 2022, os títulos selecionados pela dupla de curadoria Francis Vogner dos Reis e Lila Foster são: “O Dia da Posse” (RJ), de Allan Ribeiro; “Você nos Queima” (SP), de Caetano Gotardo; “Os Primeiros Soldados” (ES), de Rodrigo de Oliveira; “Germino Pétalas no Asfalto” (SP), de Coraci Ruiz e Julio Matos; “Manguebit” (PE-SP-RJ), de Jura Capela; e “Avá – Até que os Ventos Aterrem” (SP), de Camila Mota.
Nesta edição da Mostra de Tiradentes, que acontece entre 21 e 29 de janeiro, a Olhos Livres tem diversos trabalhos de nomes recorrentes no evento, alguns deles inclusive premiados em anos anteriores. É o caso de Allan Ribeiro, cineasta ganhador da Aurora em 2015 com seu segundo longa, “Mais do que Possa me Reconhecer”. Em seu novo trabalho “O Dia da Posse” (RJ), Ribeiro narra a história de Brendo, que quer ser presidente do Brasil. Enquanto isso não acontece, o rapaz estuda Direito, faz vídeos para as redes sociais e se imagina num reality show durante a pandemia.
LGBTQIA+
Outros dois nomes veteranos de Tiradentes estão na Olhos Livres. Um é Caetano Gotardo, que em 2019 competiu na Aurora com “Seus Ossos e Seus Olhos” e retorna agora na Olhos Livres com “Você nos Queima” (SP). No filme, uma pessoa narra uma intensa experiência amorosa interrompida logo em seu início, fazendo a narrativa mergulhar na subjetividade do personagem e em fragmentos de poemas quase perdidos de Safo e de Lucrécio. Como é típico no trabalho de Gotardo, veem-se imagens de diversos corpos de outras pessoas em constante movimento nas ruas, em festas, em casa ou dentro do metrô na urbanidade mais intensa de São Paulo.
O outro jovem veterano é o capixaba Rodrigo de Oliveira, que em 2015 esteve também na Aurora com “Teobaldo Morto, Romeu Exilado”. Dessa vez na Olhos Livres, ele apresenta “Os Primeiros Soldados” (ES) e mostra, no começo dos anos 1980, um grupo de jovens LGBTQIA+ durante o réveillon na cidade de Vitória, meses antes de a primeira epidemia de AIDS se alastrar pelo Brasil e revelar uma doença assustadora e, naquele momento, sem nenhuma possibilidade de tratamento ou cura.
Ainda no universo LGBTQIA+, a Olhos Livres em 2022 tem “Germino Pétalas no Asfalto” (SP), da dupla Coraci Ruiz e Julio Matos. O filme segue o drama de Jack, que inicia seu processo de transição de gênero num momento de ascensão da extrema direita e de potencialização do conservadorismo no Brasil, além da chegada de uma pandemia. Através do relato íntimo do cotidiano de Jack e seus amigos, floresce uma rede de afeto e solidariedade que se constitui num contexto totalmente adverso.
Direcionando-se à memória cultural brasileira, “Manguebit” (PE-SP-RJ), de Jura Capela, documenta justamente o mangue beat, movimento musical e estético de Pernambuco nos anos 90 que mudou a visibilidade das periferias e das manifestações culturais no estado e lançou nomes como Chico Science, Nação Zumbi e Mundo Livre S.A. O diretor experimenta a liberdade do pensar do mangue usando linguagem multifacetada, que reúne ideias e ideais e reflete a ousadia que deu vazão ao grande símbolo do movimento: a antena parabólica enfiada na lama dos estuários.
Também tratando da cultura, “Avá – Até que os Ventos Aterrem” (SP) é uma ode barroca e experimental de Camila Mota, atriz e diretora da companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona. O filme, de formato híbrido em suas imbricações de linguagem, apresenta uma peça de teatro filmada com ampla liberdade e imaginação para tratar da urgência dos espaços e da expressividade em tempos sombrios.
A Mostra Olhos Livres é avaliada pelo Júri Jovem, formada por estudantes, e concede o Troféu Carlos Reichenbach ao melhor filme do recorte. Os jurados foram escolhidos numa oficina de crítica de cinema realizada na CineBH e coordenada pelo crítico Victor Guimarães. Este ano, são: Adler Correa, 24 anos, estudante do 5o período de Cinema e Audiovisual da UFPel; Maria Sucar, 21, do 2o período de Artes Visuais da UFRN; Nayla Guerra, 23, do 8o período de Audiovisual da USP; Nina Camurça, 20, do 3o período de Rádio, TV e Internet da UFJF; e Renan Eduardo, 21, do 8o período de Cinema e Audiovisual da PUC Minas.
Enfim, toda a programação é gratuita. Maiores informações www.mostratiradentes.com.br.