Carolina é um documentário sobre a vida da escritora Carolina Maria de Jesus narrada através das falas de sua filha Vera Eunice, do biógrafo Tom Farias, das atrizes Andréia Ribeiro e Cyda Moreno. Somado a isso, há depoimentos de Conceição Evaristo, Ruth Rocha e outras. Além disso, o elenco é majoritariamente negro e feminino e produzido pela produtora carioca Lascene e dirigido por Vanessa Araújo.
De Sacramento ao Quarto de Despejo
Mesclando cenas das peças Eu Amarelo, Carolina Maria de Jesus e Diário de Bitita com os depoimentos dos convidados, imergimos no universo de Carolina e aprofundamos os contextos que originaram seus livros.
Assim, nascida em Sacramento, Minas Gerais, de origem humilde e tendo estudado até o segundo colegial, Carolina de Jesus chegou a ser presa por ler um dicionário, confundido com livro de São Cipriano. A escritora tornou-se uma leitora voraz de literatura. Após sofrer maus tratos na cadeia junto de sua mãe, ela decide ir pra São Paulo em busca de uma vida melhor.
Mas, infelizmente, a realidade na nova cidade trouxe o pior acontecimento a um ser humano: a miséria. Logo, Carolina se viu catadora de papel e mãe solteira de três crianças.
Desse modo, por conta de uma higienização social feita na cidade, um caminhão recolheu pessoas em situação de rua e literalmente despejou essas pessoas às margens do rio Tietê, na favela do Canindé. Favela essa que tornou-se o quarto de despejo de Carolina. Assim, a escritora passou fome, presenciou a violência doméstica nas casas vizinhas, o alcoolismo e sofreu desavenças com a vizinhança.
Com isso, ela escrevia diários sobre seu dia-a-dia. Os diários acabaram virando o livro-denúncia Quarto de Despejo nas mãos do jornalista Audálio Dantas, que conheceu Carolina no Canindé, leu seus diários e os editou.
Da fama ao ostracismo
Da noite pro dia Carolina encontrou-se com fama e dinheiro. Quarto de Despejo foi um sucesso editorial meteórico. Sua fala afiada sobre a vida na favela, a fome, os políticos e as mazelas sociais nas quais vivia sem pedir para vivê-las, chamou a atenção dos leitores da época.
Esse holofote, segundo os entrevistados no documentário, aconteceu muito por conta de Carolina ser uma novidade fora da curva. O mercado literário estava acostumado a Clarices e não a Carolinas. Desse modo, ter uma mulher negra, favelada, mãe solteira e semianalfabeta denunciando um sistema injusto e de fome gerou mais curiosidade que comoção. Ou seja, Carolina transformou-se em um produto da elite.
Porém, a mesma comunidade literária que “a abraçou” também a despejou. A partir do momento em que a escritora ocupou os mesmos espaços que a classe média, inclusive de moradia, houve estranhamento. Ou seja, para eles, uma mulher negra não cabia ali. E Carolina não se calou. Em Casa de Alvenaria ela fala sobre a hipocrisia da elite e, bom, digamos que esse foi o triste início de seu fim.
Já sem emplacar grandes vendas e não se encaixando nem na favela e nem na burguesia, Carolina comprou uma chácara em Parelheiros e isolou-se do mundo, voltando a catar papel. Aos 62 anos, veio a falecer de asma.
Preservação da memória
Por fim, o longa traz luz à vida e à força de uma mulher negra que lutou pelo seu espaço no mundo das letras. Ainda que sem arcabouço acadêmico, tinha grande entendimento político e social de seu entorno. Carolina falava tudo, ganhando o apelido de “boca de fogo”. Assim, ganhou inimigos.
Seu legado merece ser revisitado e pulverizado entre as gerações. Desse modo, o longa é mais um registro que traz volume a um acervo de memórias de Carolina.
O documentário Carolina está disponível no catálogo da GNT.
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