“O Auto da Boa Mentira” é baseado em histórias de Ariano Suassuna, não diretamente de seus livros, mas retirado de suas aulas espetáculo ou entrevistas. O filme se divide em quatro histórias independentes, tendo apenas a mentira como fio condutor. Como explicou o próprio autor “minha vida não acontece nada e eu gosto de contar história. Se eu não contar mentira, o que é que eu vou contar?”.
São essas mentiras, ou melhor, causos, o enredo de personagens completamente diferentes presentes no filme.
As histórias e seus personagens
Na primeira história, Helder (Leandro Hassum), um homem de vida sem graça assume a identidade de um grande ator de stand-up. Sua vida pacata se torna conturbada após conhecer Caetana (Nanda Costa). Às vezes, ter a sorte mudando completamente da noite para o dia pode não trazer felicidade.
Em diversos momentos, é fácil relacionar o personagem com o próprio ator em tela, o que enriquece a cena. Como dito em entrevista concedida pelo próprio Leandro Hassum: “Até onde essa mentira é engraçada? Até onde essa história se torna um perigo? Até onde você pode ir com essa mentira e não te afetar?”. Esses são questionamentos que surgem no filme para o espectador.
No segundo causo, temos uma mãe (Cássia Kiss) que mentiu para o filho (Fabiano Goés) sobre sua paternidade. Enquanto ele busca compreender sua verdadeira identidade, mais descobre sobre as histórias que rodeavam sua infância. Talvez, seja na essência, a história que mais lembra os contos de Ariano Suassuna, por se passar numa cidade do interior e ter o circo como um elemento de destaque para o enredo. Segundo Fabiano Goés, “Suassuna tem a habilidade de mostrar o Nordeste que não é o do chão rachado.”
Janela
Já para o ator Luís Miranda, “Ariano abre uma janela para ver o Nordeste, mas não apenas isso. O Nordeste é também espalhado por outros afluentes.” E isso aparece na terceira história. Ela se passa no Rio de Janeiro, o que pode parecer muito distante do autor, mas se encaixa no filme.
Nela, o gringo Pierce (Chris Mason) mente sobre ter sofrido um assalto dentro da comunidade, onde trabalha como guia turístico, para não ter que se desculpar com um amigo. A notícia chega ao chefe do tráfico (Jesuíta Barbosa) e os personagens tem que descobrir como lidar com a consequência violenta da mentira.
Por fim, temos a história de uma jovem que nunca foi à Disney. Lorena (Cacá Ottoni) é uma estagiária invisível na empresa de um famoso publicitário (Luís Miranda) e descobre que o mundo, para algumas pessoas, é dividido entre quem já foi à Disney – e sabe falar francês – e outros.
Diversidade brasileira
Essa mistura contemporânea, urbana, dinâmica, das histórias adaptadas de Ariano Suassuna, diverte o espectador. Pode ser que cause estranheza para quem for ao cinema esperando um filme semelhante ao “Auto da Compadecida”, mas isso apenas demonstra a habilidade do autor em contar diferentes histórias.
O trabalho bem feito do filme sob direção de José Eduardo Belmonte, produzido por Luciana Pires com roteiro de João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto traz a riqueza e a pluralidade, de locais e personagens, presente nas histórias nacionais.
Com distribuição da Imagem Filmes, “O Auto da Boa Mentira” está nos cinemas brasileiros a partir de 29 de abril de 2021.
Crítica maravilhosa!!!
Deu vontade danada se ver o filme…
Muito bom texto!