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Uma Vida Oculta | Reflexões existencialistas sobre a guerra

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Crítica Uma Vida Oculta (A Hidden Life. Leia a crítica de Luciano Dantas no Vivente Andante Jornalismo Cultural.

Uma Vida Oculta (A Hidden Life) é um filme de Terrence Malick, o qual não é o típico diretor de Hollywood. Apesar de sempre trabalhar com atores e atrizes de renome e prestígio, ele foge bastante ao tradicional e busca apresentar obras fílmicas que valorizam mais a fotografia e a montagem do que as atuações em si.

O novo filme de um dos diretores mais misteriosos e espirituais em atividade é baseado na vida de Franz Jägerstätter, um fazendeiro austríaco que se recusou a ir para batalha e jurar fidelidade a Hitler durante o auge da Segunda Guerra Mundial e por isso foi preso e condenado a morte.

Quem não está familiarizado com o cinema de Malick pode estranhar um pouco a estrutura narrativa do filme. Apesar de comparado a suas últimas realizações desde “A Árvore da Vida”, este tem uma narrativa bem mais próxima do cinema convencional, mas sem afastar-se do seu estilo contemplativo e reflexivo pelo qual o diretor é amplamente conhecido.

Dúvidas existenciais

Malick costuma realizar filmes em que seus personagens estão sempre atormentados por dúvidas existenciais. Talvez um reflexo do próprio diretor. Mas ele não se atreve a apresentar respostas. Seus filmes podem ser vistos mais como estimuladores a uma reflexão do que formadores de opinião. O próprio Terrence recusa-se a falar sobre seus filmes ou até apresentá-los em público.

Em Uma Vida Oculta, o drama do personagem real de não saber se é moralmente certo ele, como cristão, ir para a guerra matar seus semelhantes e jurar fidelidade a um líder que promove a violência e perseguição. O ponto de questionamento é que ao recusar a convocação ele acaba colocando sua família em um nível de sofrimento por sua ausência e por desprezo da comunidade. Ele deve manter-se naquilo que acredita ou ceder para não prejudicar sua própria família?

O roteiro não busca fazer julgamentos morais dos personagens, embora para o espectador seja difícil não o fazer visto o que sabemos hoje sobre este período. Apesar disto o personagem de Franz não é apresentado como um “iluminado” ou como o único dentre milhares que enxergava a perversidade do regime nazista. Outros habitantes de seu vilarejo também expressam sua discordância do regime, mas Franz é o único a levar isso adiante como um objetivo de luta.

Um observador oculto

O estilo de Malick é desenvolver o filme mais na forma do que no conteúdo. Apesar de Uma Vida Oculta contar com um fio narrativo bem claro, muitos dos dramas existenciais e impactos dramáticos do filme são revelados mais pelos planos e montagens do que necessariamente pelos diálogos e atuação dos personagens.

Os diálogos assim como em outros filmes anteriores do diretor parecem funcionar mais como um meio de identificação dos personagens do que condutores da história. Muitas cenas começam com diálogos no meio ou terminam sem o fim. Quase como se o espectador fosse um observador oculto e presente em cena que chega sorrateiramente para ouvir o que as pessoas estão falando.

A fé como guia para a verdade

Malick costuma fazer diversas citações bíblicas em seus filmes e abordar questões relacionadas a fé, espiritualidade e religião. O protagonista do filme não é apresentado como alguém superior que enxergou algo que a maioria não via. Ele apresenta dúvidas o tempo todo. Inclusive, teme por sua vida e está em constante agonia. Mas sua fé parece lhe dar um norte. Cabe ao espectador julgar o caminho escolhido por ele.

Vemos um personagem com dúvidas que poderia surgir na mente de qualquer um. Cercado de um crescente ódio irracional que muitos não conseguem enxergar, Franz se agarra a um fiapo de humanidade e esperança de que o que está fazendo não é em vão. Alguns podem enxergar uma analogia aos tempos de perseguição a pesquisa e ao conhecimento em que vivemos hoje no Brasil. Obviamente, de forma totalmente casual.

Esperança

Malick consegue construir uma atmosfera que é tão acolhedora e simples para a vida na aldeia de Franz que o início do filme é como o seu começo no exército em sua primeira convocação. Ou seja, tudo parece muito inocente e divertido, mas à medida que vão surgindo algumas verdades ocultas, vão tomando aquele meio e aquela realidade.

Apesar de sabermos o destino final do protagonista, a atmosfera de esperança continua ao longo do filme, assim como a esperança do próprio protagonista. A fé pessoal é vista como o principal pilar da religião, visto que ele não recebe muito apoio do padre local ou do bispo. Seis décadas após sua morte, Franz foi beatificado pelo Papa Bento XVI.

Para quem admira o trabalho do diretor não vai se decepcionar. Para quem ainda não conhece é uma boa forma de ter um primeiro contato, apesar da duração bem extensa do filme. É uma experiência fílmica intensa e reflexiva, assim como os filmes de Malick.

Afinal, veja o trailer:

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas, com Cida Bento e Daniel Munduruku | Assista aqui

Veja o filme que aborda ações afirmativas e o racismo na ciência num diálogo contundente

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Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku

Na última quinta-feira (23), fomos convidados para o evento de lançamento do curta-metragem Nenhum saber para trás: os perigos das epistemologias únicas | com Cida Bento e Daniel Munduruku. Aconteceu no Museu da República, no Rio de Janeiro.

Após a exibição um relevante debate ocorreu. Com mediação de Thales Vieira, estiveram presentes Raika Moisés, gestora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira; Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia da UERJ e Carol Canegal, coordenadora de pesquisas no Observatório da Branquitude. Ynaê Lopes dos Santos e outros que estavam na plateia também acrescentaram reflexões sobre epistemicídio.

Futura série?

O filme é belo e necessário e mereceria virar uma série. A direção de Fábio Gregório é sensível, cria uma aura de terror, utilizando o cenário, e ao mesmo tempo de força, pelos personagens que se encontram e são iluminados como verdadeiros baluartes de um saber ancestral. Além disso, a direção de fotografia de Yago Nauan favorece a imponência daqueles sábios.

O roteiro de Aline Vieira, com argumento de Thales Vieira, é o fio condutor para os protagonistas brilharem. Cida Bento e Daniel Munduruku, uma mulher negra e um homem indígena, dialogam sobre o não-pertencimento naquele lugar, o prédio da São Francisco, Faculdade de Direito da USP. Um lugar opressor para negros, pobres e indígenas.

Jacinta

As falas de ambos são cheias de sabedoria e realidade, e é tudo verdade. Jacinta Maria de Santana, mulher negra que teve seu corpo embalsamado, exposto como curiosidade científica e usado em trotes estudantis no Largo São Francisco, é um dos exemplos citados. Obra de Amâncio de Carvalho, responsável por colocar o corpo ali e que é nome de rua e de uma sala na USP.

Aliás, esse filme vem de uma nova geração de conteúdo audiovisual voltado para um combate antirracista. É o tipo de trabalho para ser mostrado em escolas, como, por exemplo, o filme Rio, Negro.

Por fim, a parceria entre Alma Preta e o Observatório da Branquitude resultaram em uma obra pontual para o entendimento e a mudança da cultura brasileira.

Em seguida, assista Nenhum saber para trás:

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