Um dia desses estava me lembrando de uma das primeiras fotografias autorais que fiz quando cheguei na França. Um querido amigo francês de 23 anos tinha acabado de se suicidar. Nessa época, eu morava na cidade de Poitiers, no sudoeste da França, mas estava em Paris para um trabalho. Acabei passando pela Galeria Laffayette, com suas vitrines iluminadas e senti o impulso de fotografar. Usei um processo específico e o resultado foi imagens abstratas, a primeira da série “Retratos do Inconsciente“. Um pouco mais tarde, percebi a conexão que havia entre essas fotos e a perda do meu jovem amigo. Um dia voltarei a falar sobre isso.
Sem compreender o que tinha acontecido comigo, comecei a procurar respostas. A proprietária da livraria que frequentava em Poitiers era uma pessoa extremamente culta. Ela me aconselhou um livro que havia saído há pouco, escrito pelo historiador da arte J. F. Chevrier, intitulado “Alucinação Artística”. O autor analisa quadros, peças de teatro e filmes, à luz desse conceito. Finalmente, o livro não me trouxe as respostas que eu estava buscando, o universo dos artistas descritos não era próximo do meu. Mas, me apresentou ao conceito da « Alucinação Artística », uma revelação que instigou minha criatividade e será útil, também, para muitos de vocês.
A alucinação
Mas, o que é essa alucinação artística? Tenho falado sobre isso com alguns de meus mentorandos. Não se trata de uma patologia, e sim de um estado paralelo, no qual o artista se coloca e que se superpõe à realidade. O artista que, em 1866, criou e deu nome a esse conceito era um escritor francês muito conhecido: Gustave Flaubert. O escritor do célebre romance Mme Bovary.
Flaubert diz que a alucinação artística é o momento quando «… vê seus personagens, os ouve, quando tudo o que ele imagina, paisagem, ambiente, tornou-se mais presente do que o ambiente em que está. »
É relativamente simples compreender como esse tipo de alucinação é usado por pintores como Salvador Dali, Van Gogh, Pablo Picasso, mas, como ele opera em alguns tipos de fotografia? Dei-me conta que, em algumas fotos minhas, eu usava profusamente a alucinação artística. É o caso, por exemplo, de algumas das fotos da exposição 2VENIR em Paris. Eu vivi essas fotos antes de sua realização. No meu imaginário, via o figurino, o cenário, a iconografia, como em uma peça de teatro. Vejam por vocês mesmos. Esse impulso pela “mise en scène ” foi inspirado pelo grande fotógrafo Jeff Wall.
Enfim, esse é um dos meus processos criativos. Quantos de vocês já usavam esse processo sem que percebessem? Me escrevam para contar suas experiências.
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