Futebol: para alguns apenas um esporte para assistir vez ou outra; para muitos, uma paixão inexplicável. Uma religião. Uma devoção sem tamanho. Se há uma coisa que brasileiros e argentinos tem em comum é essa relação quase obstinada com o futebol.
O filme “O Último Jogo” adiciona a já tradicional rivalidade entre Brasil e Argentina a extraordinária fascinação e mística da paixão pelo futebol. Duas cidades fictícias na fronteira: Belezura e Guapa são rivais em tudo, porém esta rivalidade alcança níveis exorbitantes no tocante ao jogo de futebol dos times locais. O futebol é uma verdadeira batalha.
Futebol além dos cifrões
O filme difere de muitos filmes de futebol por focar no futebol de várzea. Em tempos de uma comercialização excessiva do futebol, com jogadores de salários milionários que agem por vezes, mais como modelos ou garotos propaganda, é um alento ver um filme que consiga transmitir a paixão pelo futebol de forma tão sincera. O roteiro é uma livre adaptação do livro “El Fantasista”, do escritor chileno Hernán Rivera Letelier.
A princípio, a grande fonte de renda e empregos da cidade de Belezura é uma filial de uma fábrica de móveis, cuja sede fica na cidade vizinha de Guapa. A fábrica irá fechar, o que deixará a cidade sem empregos e sem dinheiro. A partida de futebol no domingo contra os rivais argentinos é a última esperança de triunfar sobre os hermanos. Uma última vitória antes do fim. Porém, o time brasileiro está desmotivado, ainda mais com seu goleiro internado com fratura grave no hospital.
Quando um jogador de extraordinária habilidade chega na cidade querendo uns trocados por seus truques com a bola (ou pelota como é chamada em “O Último Jogo”). Ele diz estar de passagem. Logo o técnico do time percebe que ele pode ser um grande trunfo para a vitória. Assim como na vida real, as paixões podem ser tão sufocantes e obsessivas que levam as pessoas apaixonadas a cometerem atos não exatamente muito louváveis. Os personagens fazem de tudo para mantê-lo na cidade. Os fins justificam os meios para assegurar o triunfo final.

Atores habilidosos
Um grande trunfo do filme é o uso de atores que realmente tem familiaridade com a redonda. O que pode parecer algo óbvio, na verdade nem sempre é o que acontece quando se realiza um filme sobre futebol. Muitas vezes colocam-se atores que não tem o mínimo de noção de como chutar uma bola e tenta-se disfarçar com dublês e ângulos de câmera.
Entretanto, não é o caso aqui. Em “O Último Jogo”, todas cenas que mostram os jogadores em ação são muito bem filmadas. O diretor do filme, Roberto Studart, traz certa influência de um olhar documental sobre as ações e os personagens. Muitas vezes, sua câmera apenas observa de longe, ou de perto, mas sem querer roubar o protagonismo dos personagens ou da história.

Tramas pouco exploradas
Embora o filme tenha uma ótima premissa, e um início arrebatador, a sensação é de que existem muitas tramas pouco exploradas e um foco excessivo na questão de convencer o forasteiro bom de bola a ficar na cidade para jogar.
Personagens cujos conflitos aparecem tão timidamente, que ficamos querendo que eles ganhem mais contornos: o lado artístico e aventureiro do principal jogador do time brasileiro, o técnico argentino que treina o time brasileiro, a adição de uma jogadora no time brasileiro na última partida (dita como melhor jogadora que muito homem, mas que aparece muito rapidamente durante o jogo) e até os próprios jogadores argentinos.
Para um filme que trata de uma rivalidade entre brasileiros e argentinos, faltou um aprofundamento maior dos personagens do lado argentino. Ainda que a rivalidade Brasil x Argentina tenha nuances sutis, como os brasileiros dançando tango no bar, a sensação que fica é que se passou tempo demais em um trama e pouco ou quase nenhum em tramas de grande potencial.
Jogo de futebol
Apesar disso, o filme deve agradar a qualquer fã ou entusiasta do futebol. Em especial pelas cenas das partidas. Embora ambas ocupem um espaço de tempo relativamente pequeno no filme, elas são filmadas com bastante primor, apesar de as vezes exagerar um pouco no recursos da câmera lenta, o que deixa um pouco cansativo e repetitivo.
Por fim, o filme brinca de forma muito perspicaz com diversos aspectos da paixão pelo futebol: desde a preocupação maior com uma partida do que com o desemprego em massa iminente até a devoção de um torcedor ao ídolo máximo de seu clube de coração. Em determinada cena, jogadores, o técnico e esposas estão em uma mesa. Uma das esposas pede: chega de falar de futebol. Todos concordam, mas um minuto depois, o assunto volta a ser futebol.
Afinal, “O Último Jogo” estreia nos cinemas do Brasil, dia 11 de março, com distribuição da Pandora Filmes.