“Malcolm & Marie” começa no silêncio com seu preto e branco estiloso. Logo depois, a música se faz presente. De cara já me identifiquei pessoalmente com Malcolm, dançante, feliz da vida após a estreia de seu filme. Ele vai elogiando sua namorada Marie no entusiasmo da situação. Mas não é o bastante. Ela não parece tão alegre. Em seguida, o diretor Sam Levinson vai nos mostrando em detalhes e belos ângulos, outras realidades e nuances daquele casal e o mundo que os ronda.
John David Washington e Zendaya dão um show de atuação. A câmera segue de fora da janela e somos nós, assistindo aquela conversa entre o casal. Os assuntos viajam entre cinema, racismo. Homenageia o cineasta William Wyler e o cinema no geral, falando sobre diversos filmes e escolhas específicas de diretores.
As dificuldades de uma relação saltam na tela. Os detalhes nas entrelinhas. O quanto você conhece do seu par e como pode machucar ou elevar. A importância do individualismo, a batalha de egos, a valorização mútua. Os caminhos diferentes de dois seres que se encontram e partilham suas vidas. Por que?
Caos interno
A trilha sonora entra nos momentos certos, entre amores e perigos do cotidiano. Os diálogos são ferinos, é muita história e muita dor entre duas pessoas que se amam. Ou talvez não seja bem isso. Alguns desses diálogos me lembraram um que acontece no ótimo “História de um Casamento“, a discussão pesada do casal. Uma sequência de cobranças, vivências, declarações, culpas e acusações.
O diretor tem sensibilidade e usa os closes sem exagero, nos momentos certos. Olhares e fumaças. Ele escolhe ângulos que, se no início, estamos fora da casa, no decorrer do filme estamos no meio do casal, sentados na mesa com eles. No fim, estaremos em outro lugar, assim como eles.
Destaco ainda a cena em que ele encontra a primeira crítica do seu filme após a estreia e, sobre a mesa, está a câmera, pegando o reflexo de Marie no espelho. Estamos sentados com eles, vendo de perto. O diretor conseguiu nos colocar ali dentro.
“Malcolm & Marie” é bonito com sua fotografia e seu brilhante preto e branco que permite que as atuações se sobressaiam entre as agulhadas mútuas. Em dados momentos pode esbarrar num exagero, mas é o transbordamento do momento dos protagonistas, únicos, na tela.
As cenas finais, onde Sam escolhe ângulos que sutilmente gritam fragmentação, ou o quadro na parede e um apagar das luzes dizem muito, num fim que preza pela beleza e remete diretamente ao início.
É um filme sobre narcisismo, escolhas, parceria, os limites de uma relação – e gratidão.