“O dia em que descobri o que é o Axé” é o novo livro da autora Sinara Rúbia. Ela é uma escritora brasileira de livros infantis, educadora e mestre em Relações étnico-raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Atualmente é diretora presidente do MUHCAB – Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira, no Rio de Janeiro.
Em 2001, ao tentar apresentar referências literárias negras para sua filha, percebeu a escassez do tema na literatura nacional brasileira. Daí teve a ideia de criar a história da personagem ficcional Alafiá, uma princesa guerreira negra do Reino do Daomé.
“Sabemos que vieram reinados africanos completos para o Brasil na época de escravidão. Sociedades extremamente organizadas foram colocadas em navios sem saber para onde iriam. A história da Alafiá é a história que a própria história não conta. São histórias do povo negro que ninguém aprende, que causam um dano enorme”, diz a escritora.
alicerce
A autora está cada vez mais alicerçada a transmitir a sociedade a cultura do povo preto, visando principalmente as crianças, o que indiscutivelmente é uma das formas mais inteligente de lutar contra o racismo. Dessa vez, Sinara, apresenta sua vida no passado, ao lado das irmãs, e traz a receita certa de como atravessar os momentos complexos e atarefados dos pais e educadores, o aprendizado infantil. Quando menina, teve que cuidar das suas irmãs enquanto seus pais trabalhavam. Tudo isso está no livro, mas sem vitimização, pois essa ainda é uma realidade da sociedade brasileira, principalmente do povo preto no Brasil. Sem leviandade e com licença poética suficentes para proporcionar/oferecer uma excelente ferramenta no auxílio educacional das nossas crianças.
A história do livro “O dia em que descobri o que é o axé” apresenta Sina (Sinara) explicando para as suas irmãs o que é essa força mágica.
“Isso é o Axé, uma energia intensa que pulsa dentro e fora da gente…”
Sinara é uma contadora de história nata. No livro, por exemplo, segundo suas irmãs, é possível tomar banho em água fria com alegria, porque para tudo, ela (Sina) inventava uma história! Deveres de casa tornavam-se vibrantes porque Sina sempre criava personagens para cada momento. O livro foi lançado na Expofavela, maior feira de negócios de favela do mundo, que aconteceu na Cidade das Artes, no último final de semana de julho.
Sinara tem uma forma muito bela de enxergar o outro, uma percepção inteligente, suave, usa sabedoria para descrever seus fios de pensamentos, entende-se que através de suas falas, há uma forma oxunica de luta,atua com a mansidão dessa orixá. Aliada a cultura do povo preto e bastante consciente da necessidade de mudar o quanto antes a literatura nas escolas, levando livros que em sua essência fortalecem a luta contra o racismo. O discurso da autora está distante de uma queda de braços entre brancos e negros, mas sim, a abertura de espaço para todos. Uma forma inquestionavelmente perfeita de reconhecer que todos pertencemos a sociedade, sem desqualificar qualquer um que seja. Um retórica fantástica, exatamente por isso, merece todos os olhares, inclusive das escolas. Para chancelar a menção dada a ela, basta ler o livro há pouco lançado.
“Essa força está em todos os seres…O axé está nas pessoas, nos pássaros, nos peixes, nas plantas… e também nas borboletas!… Essa energia está em nossas vidas todos os dias, minhas irmãs!” (trecho do livro infantil)
Em “O dia em que descobri o que é o Axé!”, nota-se a generosidade e forma de enxergar a sociedade por inteiro
O livro explica o que é o axé através de três meninas pretas, Sassá, Sina e Sabrina, e é muito explicativo, com uma linguagem para pequenos, de fácil compreensão, mas que também serve para muitos adultos. É um livro com personagens pretas, carregado da história do escravismo. Deveria ser lido por muitos adultos, para entenderem um pouco mais das políticas sociais e a necessidade das cotas para negros nas universidades, por exemplo!
O mercado literário infantil precisa de atenção, para mudar olhares da sociedade, ressignificar comportamentos. Não é possível que livros com temáticas negras tragam as prateleiras ilustrações onde negros são sempre serviçais, como as de Monteiro Lobato. Já estamos em 2023!
Ilustrar Salvador com uma sociedade branca, chega ser um escárnio. Não cabe levar crianças pretas aos livros com ilustrações que hostilizam os cabelos crespos dos pequenos e insinuar que anjinhos negros não existem, também é um ato racista cabível de protesto, de não aceitação. Isso ainda acontece, e pasmem, são premiados! Será que se mudarmos essas ilustrações, nos inclinando a equidade, não estaríamos mentindo, sendo hipócritas, por estar longe da realidade dessa parte da sociedade, que é a maior do Brasil? Pode-se dizer como Mather Luther King, que através dos sonhos podemos atingir a realidade!
I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: “We hold these truths to be self-evident: that all men are created equal. / Eu tenho um sonho que um dia essa nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: “Consideramos estas verdades como auto-evidentes que todos os homens são criados iguais” (1963)
Baobá
O livro é bastante colorido, com desenhos que chamam atenção dos pequenos, com desenhos da árvore Baobá (O Baobá é utilizado como fonte de inspiração para lendas, poesias e ritos na África, onde os nativos têm a espécie como a personificação do espírito africano, por isso é tida como a árvore da vida e de grande importância para diversas tribos). A ilustradora também trouxe uma suculenta, uma planta africana que estão nos nossos jardins, a Zamioculca. A diagramação acolhe letras grandes, que auxiliam na leitura das crianças, deixando de ser uma leitura cansativa. Valquiria Cordeiro é a ilustradora, mestre em Artes Visuais da UERJ, professora de Artes Visuais no colegio pedro II e doutoranda em Artes Visuais na UFRJ, entendeu da temática do livro, que também fala sobre o cruel escravismo por aqui vivido pelo povo africano.
Por fim, para quem quiser levar axé para os seus pequeninos, basta ir na plataforma da editora Nandyala para comprar seu exemplar: https://www.nandyalalivros.store/o-dia-em-que-descobri-o-que-e-o-axe/p
*Esta critica é uma parceria do Portal Eu, Rio! Que inclusive dá acessibilidade para sua leitura.