Milos Forman passou boa parte da sua vida procurando seu lugar, sua voz e fugindo do autoritarismo, imposições e modelos para buscar sempre sua liberdade, em qualquer sentido que fosse. Aliás, isto pode ser perceptível em seus filmes por meio das histórias e personagens que os povoam. Sempre indo contra o conformismo e o despotismo.
O cineasta perdeu seus pais bem cedo. O pai para a Gestapo e a mãe em um campo de concentração em Auschwitz, Forman viveu com diferentes famílias de parentes tentando sempre se adaptar a uma delas, mas com um sentimento constante de não pertencimento.
Forman vs. Forman é um documentário direto e eficiente sobre a personalidade e carreira do diretor tcheco. Logo no início do filme ele diz que não gosta de se autoanalisar para não cair na armadilha de se tornar autoindulgente e autocentrado. Ele não quer ficar falando sobre si mesmo de forma que possa parecer soberbo. Um de seus filhos mais velhos narra o filme.
Diário biográfico fílmico
Ao contrário de grande parte dos filmes documentários biográficos, Forman vs. Forman dá pouco espaço para pessoas falarem sobre Forman. O filme é totalmente guiado por entrevistas e depoimentos de Forman. Ele conta sua própria jornada e história cinematográfica, que aparece em forma cronológica. Apesar de seguir um formato bem rígido e restrito o filme não apresenta uma visão tão óbvia do diretor. Em verdade, é uma espécie de diário biográfico fílmico.
Forman debate sobre seus interesses. O que o motivou a realizar filmes e seu descontentamento com os filmes idealistas que eram realizados na Checoslováquia sob comando do comunismo. Posteriormente, sua ida para os Estados Unidos, seu exílio. Parece que ele sempre tem interesse em filmes cujos personagens buscam lutar contra mecanismos que cerceiam as pessoas, ou seja, pelo estado, pela religião, por um hospital, a mídia, ou a sociedade em geral.
Inicialmente filmando na Checoslováquia ele relata que sofria pressão ideológica. Filmando nos Estados Unidos sofria pressão comercial. A forma como ele precisa lidar com o fracasso de seu primeiro filme americano é talvez uma das partes mais interessantes do filme e um alento para as pessoas que lidam constantemente com a pressão do sucesso e eficiência, ainda mais nos tempos atuais.
A humanidade de Forman
Forman vs. Forman mostra Milos como um ser humano em suas fraquezas e como superou diversas barreiras, ao invés de mostrá-lo como um gênio inatingível. Seja a barreira do idioma, a distância de sua família, os ocasionais fracassos comerciais de alguns filmes, que alternam com momentos de glória e esplendor como o retorno da democracia para Checoslováquia, os dois Oscars que recebeu e o retorno a Praga depois de muitos anos para filmar uma produção americana (Amadeus).
Ao longo do filme percebemos o quanto ele dá importância a ter liberdade de escolher e decidir o que quer fazer e como fazer. Vemos depoimentos que funcionam como uma espécie de diário de um cineasta. Este definitivamente, é um filme que qualquer aspirante a trabalhar com cinema deve ver.
A trajetória de vida e de carreira de Forman é uma verdadeira aula de cinema. A forma como Forman moldou sua trajetória é uma lição de que não devemos nos conformar com o que nos é imposto. Em certo ponto, ele diz que se sente próximo ao personagem de Salieri (compositor que no filme Amadeus é como um invejoso do talento de Mozart) por ele mesmo ter inveja de outros grandes diretores. Milos sempre busca superar a si mesmo e os obstáculos ao redor.
Momentos preciosos
A princípio, o filme usa em sua maior parte filmagem de arquivo. Aliás, a pesquisa é tão boa que apresenta momentos preciosos da vida de Forman e essenciais para registro de sua carreira. Inclusive, uma entrevista censurada para uma emissora checa durante o regime comunista e um discurso que ele faz em homenagem ao amigo de infância Václav Havel, um dos líderes da revolução de Veludo que trouxe as eleições democráticas a Checoslováquia, tornando-se seu último presidente e o primeiro da República Checa.
Em suma, apesar do filme não ser um primor de inovação em sua forma, com um final meio apressado que ignora praticamente tudo que ele fez no século XXI, é uma boa pedida para quem quer conhecer melhor ou aprofundar-se mais na mente e personalidade desse que foi um dos maiores cineastas da história do cinema mundial.
Afinal, saiba onde ver o filme e veja o trailer:
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