Cinema
‘Flores no Cárcere’ mostra outro mundo no Festival do Rio
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4 anos atrásem
O Festival do Rio apresentou Flores no Cárcere, pela Mostra Competitiva Documentário da Première Brasil, no último sábado (14), no Estação Net Gávea, do Rio de Janeiro. O Vivente Andante conversou com algumas das protagonistas. O filme foi dirigido por Paulo Caldas e Bárbara Cunha com bastante sensibilidade, e mostra as vidas de algumas ex-detentas da Cadeia Pública Feminina de Santos. Aliás, é baseado no livro homônimo de Flávia Ribeiro de Castro. O longa começa mostrando diversas imagens da cidade de Santos, entre ângulos inusitados e monumentos, até chegar ao presídio desativado. As mulheres então vão entrando e recordando seus passados.
Flores do Cárcere procura ser uma incursão na intimidade do universo feminino a partir da vivência das mulheres no mundo penitenciário. Assim como o livro, o filme aborda vivências, sentimentos, arrependimentos, sofrimentos e superações. O longa-metragem traz os relatos dessas mulheres e desvela essa condição de exclusão, abandono, violência e ineficiência da prisão feminina brasileira.
O diretor Paulo Caldas, antes da exibição, declarou: “Em primeiro lugar queria agradecer ao Festival do Rio e destacar que nesse ano foi uma atividade de resistência das pessoas que organizam o festival. Para a gente que fez o filme, é um orgulho muito grande poder participar dessa resistência. Estar com esse filme aqui nesse Festival que estava tão ameaçado por esse governo… então para gente é muito importante que o Festival exista, resista e que nossos filmes possam estar aqui para vocês poderem assistir. Isso acho que é o mais importante de se destacar hoje.”
Com a palavra: as mulheres
Ao final da exibição falei com algumas daquelas mulheres que fizeram parte do documentário. A primeira foi Xal, que, ao término dos créditos, levantou e disse que havia nascido de novo. Perguntei sobre isso. “Nasci de novo. Você se vê depois de tudo que passou. Toda vez que olho (o filme) uma lágrima cai, sabe? Às vezes, eu também dava risada. Mas, até o jeito de andar, os dentes, eu não tinha uma noção, você perde a noção do tempo. Tipo, ‘ah, não tenho nada para fazer, não tenho trabalho, não tenho objetivo, não tenho nada’, então, sabe? Dane-se. Não queria trabalhar, trabalhar, trabalhar, eu queria ir para uma clínica de recuperação”.
Foi uma nova porta para Xal. “O primeiro passo. E foi o que eu fiz. Dei o primeiro passo, superei. Não foi fácil, não é fácil até hoje. Acho que lidar hoje, o que aprendi, o que tenho para dizer mesmo é… Eu não aprendi nada com a cadeia. A gente já entra sabendo, tem regra, não pode isso, não pode aquilo, senão o bagulho fica louco. Eu aprendi aqui fora, entendeu?”, falou.
Vegetar não. Bora viver!
Xal é uma figura carismática e energética, ao fim da sessão do filme, foi fazendo piadas diversas, feliz com as palmas e ainda ofereceu autógrafos. “Hoje estou bem para caramba. Já escrevi um livro, já vai sair agora em março. Estou amando viver, nasci de novo, estou pronto para viver e usufruir do bom e do melhor, da melhor maneira possível, sem precisar correr da polícia. Hoje eu tenho uma cama confortável, uma casa, meu cachorro. Enfim, porque antes eu dormia na praia, atrás dos trens, atrás do caminhão. Às vezes eu ficava doidão, dormia no meio da linha, podendo morrer e não acordar. Então, eu tomei a iniciativa de querer mudar de vida. ‘Eu quero ir para uma clínica’, não quero saber se é bom, se não é, eu vou tentar'”, expressou.
Perguntei se foi a partir dali que tudo mudou em sua vida e o papel da arte naquela transformação. “A arte, a comunicação. Sou compositora, hoje escrevo música, faço música, danço, faço palhaçada, fiz curso de teatro. Escrevendo um livro. Estou progredindo. Estou conseguindo guardar dinheiro. Antes eu não guardava dinheiro, ia tudo para pedra, droga. Hoje não, hoje consigo guardar, manter. Hoje eu, ó, quero comprar um celular novo, ou uma camisa pólo style. E toda hora me troco, estou com um modelito diferente. Aqui fora você faz quando você começa a trilhar um caminho… Preciso tentar, eu não nasci só para vegetar. Bora viver!”, falou Xal.
Doce Mel
Mel é outra das protagonistas de Flores no Cárcere e colocou o fato de estar no Festival do Rio como grande honra e, ao mesmo tempo, experiência surreal. Sobre a experiência de se ver na tela do cinema, falou: “É a quarta vez que assisto no cinema e não consigo me conter. A emoção é muito grande. Eu saio em lágrimas. Eu me vejo há muitos anos atrás. Porque ali eu era bem novinha. Já faz doze anos que me encontro em liberdade. E ali foi… quatorze anos atrás! E hoje vejo, como que eu poderia pensar daquela forma? É uma ilusão. Esse mundo (do crime) é um mundo de ilusão. Tanto que se eu não tivesse mudado meus pensamentos e minha visão hoje em dia eu nem estaria aqui para contar essa história. Poderia estar em um caixão, no cemitério. Pois esse seria o meu fim, né?”
A gratidão e a alegria estavam estampadas no rosto de Mel, mas, mesmo assim, elas quis também expressar em palavras. “Agradecer a todos, a você, a todos que estão prestigiando a gente. Que o preconceito acabe, né? Que possa haver mais oportunidades, que abram mais portas para as pessoas, deem mais espaço. Porque a gente tem capacidade. É uma pena que a gente paga, mas já pagamos, não somos obrigados a cumprir para sempre”, comentou.
Ainda perguntei, com irreverência e respeito, se hoje a Mel era muito mais doce. “(risadas) Muito, bem doce, bem. Hoje em dia tenho bastantes sonhos. Segunda-feira (16) agora me formo em gastronomia e pretendo abrir meu restaurante”, me disse, esbanjando doçura e simpatia.
Chachá ensina a não desistir
Chachá, hoje inspetora escolar de Ensino Médio, expressou como é gratificante ajudar o cinema brasileiro de alguma forma. “É uma lição de vida. São fatos que aconteceram, são histórias reais que podem servir de inspiração para muita gente que está com a auto-estima lá embaixo pensando que não tem uma saída. Mas vai achar uma saída, que ela pode sim, tem que acreditar. Fácil não é, mas não pode desistir.”
Realmente, Flores no Cárcere é um filme bem didático e mostra exemplos de resiliência. Questionei se Chacha se percebia como um exemplo de superação. “Vejo. Hoje em dia lá em São Paulo, na minha cidade em Santos eu sou inspetora de alunos, sou concursada. Então assim a faixa etária que eu lido lá é ensino médio. Adolescentes de 14, 15, 16 anos. Então tem uns que se emocionam ao ver os crimes, bailes. E tento passar para eles que a realidade não é essa, porque eles são o futuro da gente.”
A fala de Chachá foi contundente, e demonstrava determinação. “Se a gente não ajudar agora lá na frente não vai adiantar porque terão acontecido coisas piores e depois que está lá dentro (na cadeia) já fica mais complicado. Então penso dessa forma, posso salvar eles um pouquinho antes, mas, mesmo não conseguindo, eu vou tentar. Eu tento, faço de tudo, não quero que eles tenham a mesma experiência que tive. A minha foi um aprendizado e não desejo para ninguém. Se eles puderem ser pessoas de bem e eu puder estar ajudando, eu vou ajudar”, declarou.
A simpática Pérola
“A princípio a gente não conseguir ver a dimensão que surgiria desse filme, ou do livro. Então quando a gente foi selecionada para primeira mostra foi até impactante. E agora quando fomos chamadas para o Rio, vimos que a coisa está crescendo está se tornando público. As pessoas estão podendo ver, ouvir a nossa voz. Porque até então a gente produziu e tinha até um medo (do filme) de ficar ali, guardado na gaveta e não é essa a intenção. A intenção é mostrar para as pessoas que nós somos pessoas direitas. Que podemos ter outras chances de vencer, de crescer, cuidar de nossos filhos, nossa família. Entendeu? Seja em São Paulo, no Rio, seja em qualquer lugar do mundo. Para mim está sendo gratificante. Só gratidão. Eu nem conhecia o Rio, estou feliz da vida. Dei uma volta, praia, tchibum (risos)”.
Flávia, aquela que colhe flores
A escritora do livro Flores no Cárcere, Flávia Ribeiro de Castro, falou sobre a evolução do trabalho: “A arte é um dos instrumentos mais importantes para gente se aproximar uns dos outros. Então eu vejo isso como um crescendo, essa história do livro virando documentário e virando uma coisa ainda mais importante que é a ONG que nós fundamos juntas para fazer esse trabalho com outras mulheres que vivenciaram essas experiências.”
Para Flávia, esse longa-metragem tem uma relevância diferenciada. “Contar para as pessoas que existem tantas outras formas de você olhar e cuidar dessas mulheres que não seja a prisão. Para poder transformar, não só trazer um pouco mais de humanidade, mas poder transformar um pouco essa ideia de punição. Porque atrás de toda violação, erro, seja ou não considerado crime pela nossa lei, porque isso também varia muito de um país pro outro. É, atrás disso, tem muito sofrimento, muita solidão, muita violência vivida na infância. É para isso que a gente tem que olhar. Não é para condenar, prender e apontar”, comentou.
Poderoso instrumento: a arte
Pontuei a arte como uma forma de reeducação e reabilitação: “A arte é uma forma de reeducar, de aproximar, é uma forma de sensibilizar é uma forma de fazer as pessoas se encontrarem de uma maneira que nenhuma outra… Não conheço uma forma melhor de promover esses encontros, sabe? Com muita proximidade e que, porque, a gente se conecta muito intuitivamente com a arte. A intuição é muito rápida e muito verdadeira”.
E sobre a exibição no Festival do Rio: “O meu sentimento é de muita felicidade não por eu estar participando, mas por elas estarem aqui participando, porque acho que isso vai trazendo para elas essa visão de que elas realmente podem ser ouvidas, que o que elas tem para dizer as pessoas querem escutar e que isso é muito importante. Porque de mim elas escutam, mas a gente já tem uma relação de tanto afeto. Agora elas sentirem isso pelo público que elas nunca viram. Isso é importantíssimo.”
A saber, o Brasil tem mais de 42 mil mulheres atrás das grades. Em certo momento do filme, Sílvia, antiga chefe de carceragem, fala sobre as mudanças nos crimes cometidos por mulheres e de como foi se intensificando e piorando desde que ela começou, em 1986. O documentário exalta os pequenos prazeres da liberdade e que existe sim vida fora da prisão. E pode ser pura arte.
Serviço:
“Flores do Cárcere” no 21º Festival do Rio
15/12
Horário: 10h
Local: Cine Odeon (Praça Floriano, 7 – Centro, Rio de Janeiro)
Sessão gratuita com debate
16/12
Horário: 19h
Local: Cinema Kinoplex São Luiz (Rua do Catete, 311 – Catete, Rio de Janeiro)
Ingressos: http://www.festivaldorio.com.br/br/servicos/passaporte
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Jornalista especializado em Jornalismo Cultural pela UERJ.
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Cinema
‘Névoa prateada’, de Sacha Polak, é filme para refletir | Crítica
O longa estreia no dia 18 de abril nos cinemas de Brasília e São Paulo.
Publicado
6 horas atrásem
18 de abril de 2024Por
Livia BrazilNévoa prateada é um filme arrebatador que, com certeza, não vai passar incólume. O longa propicia emoções intensas, sejam elas positivas ou negativas. Fato que muitos não irão gostar. Alguns podem considerá-lo extremo demais, pesado demais. Os espectadores acostumados a tratar o cinema somente como forma de entretenimento e diversão provavelmente não irão gostar, já que é um filme que propõe análise e questionamentos. E que retrata uma realidade comum em alguns lugares da Inglaterra – e também de outros locais. Contudo, para quem gosta de assistir filmes que criticam a sociedade e comportamentos é um prato cheio. E para quem pretende aprender com o audiovisual também.
Mas sobre o que fala Névoa prateada?
A protagonista do filme é Franky, uma enfermeira de 23 anos que vive com a família em um bairro no leste de Londres. Obcecada por vingança e com a necessidade de encontrar culpados por um acidente traumático ocorrido há 15 anos, ela é incapaz de se envolver em um relacionamento com alguma profundidade. Até que se apaixona por Florence, uma de suas pacientes. As duas fogem para o litoral, onde Florence mora com a família. Lá, Franky encontrará o refúgio emocional para lidar com as questões do passado.
A saber, a atriz Vicky Knight, intérprete de Franky, venceu o Prêmio do Júri do Teddy Award do Festival de Berlim. Além disso, o longa recebeu indicação de Melhor Filme no Panorama Audience Award e foi destaque na programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Participou, também, dos prêmios Dinard British Film Festival (vencedor como melhor filme), Tribeca Film Festival (indicado ao Best International Narrative Feature), FilmOut San Diego US, Sunny Bunny LGBTQIA+ Film Festival, entre outros.
A diretora de Névoa prateada, Sacha Polak, costuma levar para filmes temas difíceis, que poderiam facilmente ser assunto de terapia. A necessidade de se sentir amada, preconceitos, dificuldade de esquecer uma situação, aceitação. No longa em questão, Sacha trata de vários assuntos, como autoaceitação e, também, dificuldade de perdoar. Porém, apesar de ter uma gama de temas, o filme não se torna cansativo ou confuso. Muito pelo contrário, o roteiro passa para o espectador muito bem todos os conflitos da protagonista.
Além disso, Franky não é apresentada de forma piegas ou clichê. Por ter sido vítima de um incêndio, a personagem tem marcas em sua pele que poderiam, em uma narrativa mais lugar comum, transformá-la em uma pessoa que se vitimiza ou que é vista como coitadinha o tempo todo pelos outros. Mas não é isso que Sacha quer passar para quem assiste. E, apesar de não ter uma vida fácil, é possível enxergar Franky para além de suas cicatrizes. Franky é uma personagem complexa, completa e muito bem desenvolvida, tanto pelo roteiro quanto por sua intérprete.
Talvez por já ter trabalhado com Sacha Polak anteriormente, Vicky Knight tem facilidade em transpor para a tela os conflitos internos de Franky sem deixá-la simples demais ou transformá-la em um mártir. Também ajuda ter passado por situações parecidas com as da personagem. O fato é que foi justo o prêmio Teddy Awards que Vicky recebeu, já que consegue trabalhar nos detalhes, algo que nem todo ator tem sucesso.
Fotografia
Apesar de ser um recurso bastante comum, não deixa de ser interessante ver o filme em cores mais frias, já que Franky não tem uma vida fácil e passa por conflitos internos durante todo o filme. Também é possível que tal característica seja por ter sido filmado na Inglaterra, onde não há mesmo muito sol. Todavia, fica claro que Sacha Polak – e também a fotografia de Tibor Dingelstad – quis expressar o interior de Vicky nas cores frias que vemos nas cenas.
Além disso, a escolha de planos abertos quando Vicky se encontra perdida em sua vida e planos mais fechados quando ela começa a se encontrar ajudam a contar a história da protagonista. E, também, de sua coadjuvante, Florence. Aliás, Esme Creed-Miles arrasa na interpretação da menina totalmente sem rumo e influenciável. Se há algo negativo nesse filme é que Florence poderia ter tido mais espaço. E também, talvez, poderia ter havido mais cenas de Franky e Alice. Vicky Knight e Angela Bruce têm uma química muito boa em tela e poderia ter sido mais explorada.
Para resumir, é um filme bastante introspectivo, bonito e reflexivo, que mostra, de forma original, o valor das pessoas que nos rodeiam. Névoa prateada estreia no dia 18 de abril nos cinemas de Brasília e São Paulo.
Por fim, fique com o trailer:
Ficha Técnica
NÉVOA PRATEADA (Silver Haze)
Holanda, Reino Unido | 2023 | 1h42min. | Drama
Direção e roteiro: Sacha Polak.
Elenco: Vicky Knight, Esme Creed-Miles, Archie Brigden, Angela Bruce, Brandon Bendell, Carrie Bunyan, Alfie Deegan, Sarah-Jane Dent.
Produção: Viking Films.
Distribuição: Bitelli Films.
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Bárbara
15 de dezembro de 2019 at 09:35
Gostaria muito de assistir. Estou morando no momento fora do país. Será que teremos acesso a ele através de uma plataforma digital em breve?
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