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Crítica

Resenha| Conheça ‘Damas Noir’, livro da Darkside Books somente com autoras

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Damas Noir Darkside Books crítica por Alvaro Tallarico

Um dos ótimos lançamentos da Darkside Books é Damas Noir. A introdução da organizadora, Joyce Carol Oates, já mostra a que veio essa obra que traz somente obras de mulheres. “No noir, o lugar das mulheres até bem pouco tempo se limitava a dois: musa e objeto sexual”, diz ela em certo trecho, entre citações de grandes autores do gênero.

A questão desse livro é a mudança de perspectiva, a visão aqui é feminina – e feminista. Ou seja, vai contra o “típico” noir onde os homens são os protagonistas, detetives, por exemplo. Na introdução, Joyce apresenta com elegância e firmeza um pouco das diversas obras que compõem o livro e ainda encerra o livro com um ótimo conto.

Todos os textos são de qualidade em suas variadas vertentes e formas. O livro se divide em três partes: Seus Corpos, Nossos Eus; Um Infortúnio Todo Seu e Homicídio. A princípio, já começa bem com Livia LLewellyn; o segundo, de S.J. Rozan, me lembrou as narrativas dos quadrinhos de Sin City, do Frank Miller, porém, mais profundo e incisivo.

Cidade em chamas

O tom de muitos é mórbido e há cenas muito criativas. Existem antologias que pecam pela irregularidade, mas essa consegue reunir estilos diversos, como a história ilustrada de Lisa Lim e o conto por mensagens de Edwige Danticat, sem que o leitor perca o interesse. Ah, impossível não citar também os poemas agudos de Margaret Atwood.

Como homem, a leitura dessas diversas autoras me proporcionou uma amplitude de visões. Muitas das histórias são em primeira pessoa, e isso coloca o leitor no corpo das personagens. Os detalhes do feminino saltam lindamente, cruelmente, ou criticamente, dependendo da história.

O conto de Aimee Bender, “Cidade em Chamas” é uma delícia, com toda aquele clima de história de detetive e muitas entrelinhas, diálogos ambíguos, e limites. Até onde uma detetive pode ir? Sentei na cadeira cor de damasco junto com a protagonista.

Primor

Em seguida, “Ladrão”, de Steph Cha, é como um soco no estômago. Uma mãe chora a perda de um filho e vai em busca de respostas. “Impala”, de S.A. Solomon, é um dos mais explicitamente feministas com várias colocações a cerca do patriarcado, e uma protagonista inteligente e decidida.

Damas Noir da Darkside Books no Vivente Andante
Os detalhes de acabamento do livro são impressionantes

Afinal, a edição da Darkside é primorosa. A editora, sabendo do ouro que tem em mãos, entrega aos leitores um livro extremamente bem acabado, recheado de detalhes como as digitais que separam os contos e as ilustrações que abrem os capítulos. O leitor respira atmofera noir em cada detalhe e valoriza as várias artes que compõem a obra. Cada uma das três partes tem uma arte de Laurel Hausler na abertura. São obras instigantes que enaltecem a aura sombria do livro.

É um daqueles livros que dá gosto de ter na sua estante e biblioteca. Ainda por cima, pasmem, vem com aquela cordinha marcadora de livro, mas nada simplório, aqui o complemente imita uma daquelas faixas amarelas que separam os passantes de um local de crime. Afinal, um dos melhores livros que pude ler – e ter em mãos – em 2022. Afiado.

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Cinema

A hora da estrela – relançamento de um clássico do cinema brasileiro

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O programa Sessão Vitrine Petrobrás confirma mais uma vez seu compromisso de preservação e difusão do cinema brasileiro ao promover o restauro digital e o relançamento do filme “A hora da estrela”. Primeiro longa da cineasta Suzana Amaral, trata-se de uma adaptação do último romance de Clarice Lispector.

O filme nos traz a história de Macabéa. Uma jovem migrante nordestina e órfã de 19 anos que acaba de chegar em São Paulo. Após perder sua única parente próxima, sua tia, ela arranja um emprego como datilógrafa. Ela vai vivendo seus dias, tentando se encaixar nessa nova realidade.

Sentimento de exclusão

A “hora da estrela” traz um retrato primoroso da dificuldade de se encaixar em determinados padrões que se desconhece. O filme é tão profundo, que não é preciso ter vivido, alguma vez, a angústia de tentar intensamente para não sentir-se inadequado em um ambiente, para assimilar a mensagem sobre solidão e exclusão que é passado. 

Macabéa isolada e desconcertada em seus passeios no metrô – imagem de divulgação.

Exclusão, essa, que é um retrato da própria invisibilidade que os imigrantes nordestinos sofriam (e ainda sofrem) ao migrar para o sudeste. Sendo a própria autora do livro que o roteiro é baseado, Clarice Lispector, tendo sido imigrante duas vezes em sua vida. Primeiramente da Ucrânia para o Brasil e posteriormente de Recife para o Rio de Janeiro.

Críticas sociais

São Paulo já despontava como a metrópole mais moderna do Brasil, porém cheia de contradições e desigualdades sociais. A mesquinharia do patrão de Macabéa pode ser vista como algo bem atual. Ele paga um salário miserável a ela e ainda reclama de suas faltas de qualificações.

Ao invés de oferecer alguma espécie de treinamento que possa aperfeiçoar as habilidades de Macabéa, ele prefere fazer pouco da mesma e por fim demiti-la. Não há uma autocrítica, assim como muitos ditos empreendedores atuais que agem e falam como se o mercado de trabalho estivesse cheio de pessoas que não querem trabalhar e não as condições oferecidas que estão cada vez piores e sem perspectivas.

Macabéa e sua jornada de autodescoberta – imagem de divulgação.

Adaptando a obra de Clarice

Nessa adaptação, Suzana Amaral substitui a narração in memoriam de Rodrigo S.M. do livro pela narração mais intimista de sua câmera que nos aproxima de Macabéa de modo intimista e perspicaz. Entendemos como ela é suas predileções que são questionadas pelos outros personagens como: comer apenas cachorro quente e passear no metrô de São Paulo no domingo.

Marcelia Cartaxo interpreta Macabéa de forma sublime. Alguém que foi privada de emoções, afetos e experiências por 19 anos. Assim, sua caracterização poderia se desdobrar num retrato caricato de uma pessoa descobrindo pela primeira vez certos prazeres da vida, como a alegria de tirar um dia de folga apenas para ficar em casa e o prazer sexual da autodescoberta. Uma fonte de piada muito utilizada para representar a inadequação de uma pessoa na cidade grande. Marcelia nos apresenta de forma natural e orgânica os entusiasmos de sua personagem, como as descobertas de uma criança. Ou seja, sinceras e profundas.

Macabéa aproveita seu dia de folga – imagem de divulgação.

Isso é notável, especialmente, na relação de Macabéa com o rádio-relógio. Quase como se fosse seu melhor amigo, o programa do rádio-relógio lhe enche de informações inúteis mas que são super interessantes e que lhe rendem assunto para conversar com Olímpico (José Dumont), outro imigrante nordestino que ela esbarra e acaba se tornando seu namorado e com Glória (Tamara Taxman), sua colega de trabalho. A forma como ela se empolga para contar o que ouviu toda noite é tocante.

Macabéa passeia no parque com Olímpico – imagem de divulgação.

Ataque à inocência

Mas como na vida real, o filme mostra como a sociedade mutila a inocência sem dó nem piedade. Afinal, Macabéa não percebe, muitas vezes, a maldade que lhe espera ou que realizam contra ela. Pois, Macabéa viveu destituída de experiências de vida, o que dificulta com que ela entenda e perceba as reais intenções das pessoas com ela.

Quando ela é rejeitada, ela sente a tristeza do abandono, mas não consegue expressar em palavras. No entanto, ela apenas pede aspirina para tentar sanar a dor que ela não sabe de onde vem. Afinal, ela apenas sabe que essa dor está lá. Dentro dela.

Macabéa e a cartomante (Fernanda Montenegro) – imagem de divulgação.

Onde assistir “A hora da estrela”

Macabéa vive e morre no anonimato. Mas sua jornada no mundo foi tão meteórica quanto uma estrela cadente. Seu brilho só recebe atenção quando ocorre seu fim trágico. Como as estrelas que vemos brilhar no céu, mas que provavelmente já morreram há milhares de anos.

Por fim, o filme está sendo lançado dentro do programa Sessão Vitrine Petrobrás, que promove sessões com preços mais acessíveis e também debates com realizadores e oficinas. É uma ótima chance para ver ou rever esse clássico do cinema brasileiro que arrebatou diversos prêmios como no Festival de Brasília de Berlin. Consulte a rede de cinemas de sua cidade para encontrar sessões disponíveis para “A hora da estrela”.

trailer oficial

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